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Nova lei: freguesias só se legitimam ouvindo as populações e não contando votos

Numa altura em que se aproximam as eleições autárquicas, está finalmente aprovada e promulgada a legislação que regula a criação, modificação ou extinção de freguesias, Lei n.º 39/2021 de 24 de junho.
Como sabemos, em 2013 a democracia de proximidade sofreu um forte ataque com o Governo nos anos da Troika a extinguir 1168 freguesias e reduzir 20 mil eleitos. Em Torres Vedras passamos de 20 para as atuais 13 freguesias ou uniões, num processo que não foi pacífico para os torrienses.
O mal-estar das populações, que não foram ouvidas, ficou patente nestes anos e continuam ativos movimentos e grupos de cidadãos que tomam posições e não deixaram cair este assunto.
Por outro lado, é hoje óbvio que esta situação teve apenas objetivos económicos, mas não o conseguiu, nem tão pouco melhorou a vida das pessoas, os serviços ao cidadão, os transportes, o posto médico, a proximidade, a participação, nem a diferença entre freguesias do interior e do litoral, mantendo-se uma situação de desinvestimento, que leva a baixa atratividade para os jovens, logo, tudo resulta num ciclo de desvalorização.
As freguesias são uma enorme conquista democrática, onde as populações se sentem representadas, tendo um papel fundamental na consolidação da democracia e no sentido de identidade e pertença ao território. São o nível autárquico de base, consagradas autarquias locais no artigo 236º da Constituição portuguesa, mais próximo dos cidadãos, representando o Estado na resolução dos problemas básicos.
O Partido Socialista inscreveu o assunto no seu programa em 2015. Passados estes anos manteve-se um vazio legal, pois não existia sequer legislação nesta área, após a agregação verificada. Não deixa de ser curioso o timing desta nova legislação, quando o assunto poderia ter sido anteriormente resolvido. Mais vale tarde que nunca, mas há aqui uma coincidência eleitoral que não podemos deixar de assinalar.
Chegados aqui, é importante aproveitar para corrigir erros grosseiros de um mapa de freguesias feito a régua e esquadro, sem ter em conta o sentir das populações e a sua auscultação como princípio básico.
Para além de corrigir os erros, existe agora a oportunidade de pensar no mapa e, por exemplo, situações específicas como nas povoações de fronteira, que possam ficar melhor servidas em determinada freguesia. É necessário também verificar a viabilidade das freguesias, os serviços que prestam e os que podem prestar. Não basta ter mais freguesias, esta é também uma oportunidade para pensar em mudanças para ter melhores freguesias. Que freguesias queremos, que serviços e que apoios são necessários e quais as vantagens ou desvantagens de voltar a reformular o mapa, são questões importantes que devem ser discutidas com todos.
Sobre esta necessidade de participação popular, o Bloco de Esquerda, através do deputado João Rodrigues, apresentou na sessão do passado dia 22 de fevereiro, uma recomendação para que os órgãos municipais “desenvolvam atempadamente esforços junto das populações, autarquias e organizações locais, garantindo que todos são ouvidos e que o processo de desagregação tenha em conta as necessidades locais”.
Para além disso, recomendava também o desenvolvimento de um pensamento estratégico, que “garanta que este processo corresponda efetivamente à melhoria da vida das populações com acesso a serviços de proximidade essenciais, nas diferentes áreas, em postos e estruturas diariamente acessíveis”.
Faz todo o sentido que se pense a sério e a fundo nesta oportunidade, não só de reverter erros, mas de melhorar o que é fundamental para as pessoas. Se este processo não for feito com os habitantes de cada freguesia, nunca será legítimo ou democrático.
O PS chumbou a proposta, pois sendo uma ideia que não é sua, logo encontra formas de criticar. Mas é óbvio para todos, que seria muito importante fazer este caminho para que não se comentam os mesmos erros do passado, ou se veja este assunto como um mero contar de votos.
Com a nova legislação, há critérios e pressupostos para se ser freguesia e há a decisão centrada em 3 órgãos, especialmente as Assembleias de Freguesia, com a auscultação da Câmara e por fim a aprovação da Assembleia Municipal. Logo, justifica-se a criação de mecanismos de reflexão conjunta atempados, que construam uma visão estratégica integrada e garantir que as decisões destes órgãos são legitimadas pela vontade popular e não por maiorias políticas oportunistas.
Não bastam decisões de órgãos autárquicos, é fundamental reunir as populações e falar claro nesta decisão, sabendo ouvir e tornar democrático, transparente e universal o processo que se avizinha.
Esta é uma oportunidade para todos construirmos um concelho melhor, mais democrático e justo. Esperamos muito sinceramente, que não seja mais um palco para jogadas políticas com fins de poder de maiorias instaladas, de eleitoralismo, de contagem de votos, ou que haja opacidade e interesses, que não sejam apenas os que decorrem da vontade das populações.