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(I)mobilidade nas aldeias do fim do mundo

Na passada Terça-feira, 22 de Setembro celebrou-se o dia mundial sem carros. Neste dia supostamente deixa-se o automóvel em casa e utilizam-se meios de transporte mais sustentáveis para chegar ao trabalho ou escola, nomeadamente a bicicleta, os transportes públicos, ou a caminhada. Este dia especial tem como objetivo a melhoria da qualidade do ar nas cidades e do bem-estar e saúde dos cidadãos, e sensibilizar os mesmos para a mobilidade sustentável.

Recorde-se que a Agência Europeia do Ambiente publicou um relatório em 2019 no qual estima que 90% das pessoas nas cidades respiram ar poluído e que a má qualidade do ar provoca em cada ano a morte prematura de 4.900 portugueses devido a elevadas concentrações de partículas finas no ar.

O Município de Torres Vedras assinalou o dia mundial sem carros com condicionamentos de trânsito e estacionamento na cidade para desencorajar o uso do veículo individual e encorajar o uso da bicicleta, autocarro ou o percurso a pé. Há que reconhecer o trabalho crucial que tem sido feito na disponibilização bicicletas públicas urbanas e no alargamento de estações ou bikestations, assim como a construção de ciclovias que já cobre uma extensão de 12km. O impacte do alargamento das ciclovias observa-se na quantidade de adultos e crianças que as utilizam o que significa que a oferta de ciclovias criou procura por estas. No entanto, no que toca a mobilidade sustentável fora da cidade, o trabalho é nulo ou praticamente nulo. Há aldeias que ainda parecem ficar no fim do mundo.

Em Cambelas, por exemplo, há dois autocarros por dia para ir e dois para voltar de e para Torres Vedras e ao fim de semana não há nem um autocarro. E assim é há mais de 30 anos. A maioria das pessoas com necessidade de se deslocar para o trabalho, escola ou para fins culturais e recreativos é obrigada a comprar carro, isso implicando uma redução significativa no seu orçamento familiar, uma necessidade acrescida de espaço para estacionamentos, custo mais elevado na manutenção das estradas, filas de carros nas horas de ponta nos principais meios de acesso à cidade implicando o decréscimo de tempo disponível para atividades lúdicas, degradação da qualidade do ar com consequências nefastas para a saúde pública e emissões de gases com efeito estufa para a atmosfera. E quanto menos alternativas existem, mais se contribui para a desabituação da utilização do transporte público sendo um círculo vicioso quase impossível de quebrar.

E para estas aldeias de fim do mundo não há ciclovias, não há autocarros, não há Agostinhas, não há nada. Só a frustração de se ter de usar um carro para deslocações que se poderiam fazer facilmente de bicicleta ou autocarro.

Até agora a desculpa para esta área do concelho não ser devidamente coberta por uma rede de autocarros frequentes é de que não é economicamente viável. Mas numa perspetiva sustentável também os aspetos ambientais e sociais contam, não só os económicos. Além disso o ar poluído, o congestionamento, o tempo desperdiçado, o stress, a contribuição para as alterações climáticas não são contabilizados quando se fala em viabilidade económica. E, como no caso das ciclovias em Torres Vedras, a oferta cria a procura. Ou seja, se houvesse oferta de viagens de autocarros (de baterias elétricas) com frequência de pelo menos 1h e a preços muito acessíveis, decerto que haveria procura por estes serviços.

O financiamento destinado a parques de estacionamento em Torres Vedras e noutras zonas do concelho (e.g. praias), poderia ser desviado para a financiar viagens a preços reduzidos.

O Plano de Mobilidade e Transportes do Município de Torres Vedras, embora apresente um plano de ação com várias propostas e datas para que estas sejam implementadas, deixa inacreditavelmente de fora o problema da mobilidade sustentável nas aldeias no fim do mundo.