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Será que a presidente Laura Rodrigues sabe o que significa descarbonizar?

No momento em que escrevo, 45% do país encontra-se em seca severa e extrema. Segundo o IPMA – Instituto Portugues do Mar e da Atmosfera, desde 2017 chove menos do que a média da série de referência de 30 anos (1970-2000) usada para comparação1. Não há grandes dúvidas em afirmar que este fenómeno extremo está relacionado com as alterações climáticas, estando já a afetar vários setores económicos, nomeadamente os setores da energia e da agricultura, pela redução da produção de energia elétrica e pela cessação da utilização de água para rega, respetivamente. Para mitigar os efeitos das alterações climáticas, Portugal, juntamente com os outros países da União Europeia, comprometeu-se a atingir a neutralidade carbónica através da descarbonização da economia até 2050. Por descarbonização entende-se a redução de dióxido de carbono (CO2) na atmosfera para níveis considerados seguros para a existência de vida humana na Terra. De momento, as emissões de CO2 continuam a ser superiores ao sequestro por meio dos oceanos, florestas e solos, e este gás de estufa continua, ano após ano, a acumular-se na atmosfera onde absorve e irradia calor do sol, o que contribui para o aquecimento global. Quanto mais CO2 se acumular na atmosfera mais calor este vai irradiar e mais quente se vai tornar o planeta. Desde 1960 que se regista uma subida contínua na concentração de CO2 na atmosfera (medido em ppm). Em Torres Vedras, o anterior presidente da Câmara Municipal, Carlos Bernardes, estava a trabalhar para atingir a neutralidade carbónica em 2030, antecipando em 20 anos a meta estabelecida pela União Europeia. A nova presidente, Laura Rodrigues, comprometeu-se no seu programa eleitoral, a implementar o Plano de Ação para a Energia Sustentável e o Clima que, alinhado com o Pacto Ecológico Europeu, inclui o objetivo da neutralidade carbónica em 20502. Apesar deste compromisso, Laura Rodrigues assinou o contrato de financiamento de uma via rápida de ligação entre a A8 e as Palhagueiras, sublinhando que esta se vai estender, numa segunda fase, até Santa Cruz. Laura Rodrigues acredita mesmo que a nova infraestrutura “contribui para a descarbonização do ambiente uma vez que 300 camiões deixam de passar diariamente pelo interior de várias localidades”3. Ora, daqui se depreende que Laura Rodrigues ou quebra o compromisso feito no seu programa eleitoral sobre trabalhar para a neutralidade carbónica em 2050, ou não percebe o que significa descarbonizar, uma vez que acredita que uma via rápida contribui para a descarbonização do ambiente. Pelo contrário, uma via rápida contribui de várias formas para a acumulação de CO2 na atmosfera, nomeadamente4 1) carbono incorporado nos vários materiais usados para a construção da via; 2) emissões de CO2  devido à movimentação de solos e limpeza de vegetação, ou seja, destruição de sumidouros de carbono; 3) uma vez ativa, a via rápida levará a um aumento da velocidade dos veículos e consequentemente a um aumento das emissões de CO2 para a atmosfera; 4) potencialmente mais veículos a motor irão usar a via rápida já que a mesma incentivará a criação de aglomerados habitacionais e parques empresariais carro-dependentes, o que também contribuirá para aumentar as emissões de CO2 para a atmosfera. Ou seja, mesmo contando com acrescida eficiência dos veículos no consumo de combustível, a construção, utilização e manutenção de uma via rápida contribuem para aumentar as emissões CO2 para a atmosfera e nunca para a sua descarbonização. Só na construção de uma via deste tipo estima-se a emissão de 455 toneladas de CO2eq por cada milhão de euros gasto5. No caso da via para as Palhagueiras, é só multiplicar o valor por 7 milhões de euros que estão previstos para a construção de 6 quilómetros de estrada, tendo ainda de se adicionar as emissões resultantes da potencial construção da extensão da via até Santa Cruz, e dos parques de estacionamento necessários para albergar ainda mais carros na pequena vila já sobrelotada de carros. Para descarbonizar no setor da agricultura outras medidas seriam necessárias, como por exemplo promover a produção e o consumo ao nível local, ou seja, promover cadeias de abastecimento curtas ao invés de cadeias de abastecimento longas, através do transporte por via de auto-estrada para outros países, exportando-se ao mesmo tempo a nossa água, solo, paisagem e emissões de CO2 de forma incorporada nos produtos agrícolas. No que toca à potencial extensão da via para Santa Cruz, os milhões de euros poderiam ser gastos na descarbonização do setor da mobilidade através, por exemplo, da criação de uma rede de transportes públicos gratuitos ao fim de semana de, e para Santa Cruz, da construção de ciclovias de, e para Santa Cruz, da sinalização de uma rede interligada de caminhos pedestres para incentivar a prática da caminhada. Estas sim, seriam medidas que iriam contribuir para a neutralidade carbónica, mitigando a ocorrência de fenómenos extremos como a seca, com impactos negativos para o setor da agricultura intensive, em expansão no concelho, e limitando a subida do nível da água do mar, que de outra forma em breve colocará a praia de Santa Cruz debaixo de água6

 

Referências:

1 https://www.ipma.pt/pt/media/noticias/documentos/2022/IPMA_SecaMeteo_27jan2022.pdf

2 https://laurarodrigues2021.pt/wp-content/uploads/2021/09/boletim_CMdTV_LauraRodrigues2021.pdf

3 Badaladas, 21 de Janeiro de 2022

4 Sloman and Hopkinson (2020). The carbon impact of the national roads programme. Transport for Quality of Life.

5 Sloman and Hopkinson (2020). The carbon impact of the national roads programme. Transport for Quality of Life.

6 Kulp and Strauss (2019). New elevation data triple estimates of global vulnerability to sea-level rise and coastal flooding. DOI: https://doi.org/10.1038/s41467-019-12808-z