De Norte a Sul do país, há uma enorme diversidade de paisagens naturais com as quais nos podemos deleitar. Muitas destas paisagens contêm ecossistemas únicos, e muitas vezes sensíveis à pressão humana. Para podermos desfrutar estas mesmas paisagens temos muitas vezes de caminhar por trilhos a pé ou de bicicleta, frequentemente com algum esforço, mas sabendo que seremos recompensados pela beleza do que vamos encontrar, pelo contato com a natureza, pelo avistamento de animais selvagens e plantas silvestres, pelo silêncio e inexistência de poluição sonora, e pela experiência única, porque cada vez que se volta, tudo está diferente, consoante das estações do ano, a hora do dia, as condições meteorológicas. Considero que isto é o que se pode chamar “Turismo de Natureza”. Uma definição mais oficial é a do Instituto de Conservação da Natureza e Florestas (ICNF): "O turismo de natureza é o que permite conhecer o património natural, as paisagens e as tradições das áreas, respeitando os valores naturais que nelas existem." Infelizmente, na ânsia de açambarcar a marca “Turismo de Natureza” para os seus territórios, muitos órgãos do poder local como juntas de freguesias e câmaras municipais, estão a adotar um comportamento de manada, ou seja, a revelar uma tendência para seguirem ou imitarem outros, sem que as decisões passem por uma reflexão e uma análise de custos e benefícios ambientais, sociais e económicas, em conjunto com as várias partes interessadas (stakeholders). Falo da moda de incluir estruturas artificiais, como passadiços para facilitar o acesso de pessoas à natureza, e baloiços como locais de contemplação da natureza. Estas estão, no meu entender, a colocar em causa o respeito pela paisagem, natureza e tradições locais e a desvirtuar o conceito de "Turismo da Natureza". Um exemplo são os Passadiços do Paiva em Arouca. Estes já ganharam fama a nível internacional e receberam desde 2015 mais de um milhão de visitantes, conquistando vários prémios turísticos, nomeadamente os World Travel Awards (óscares do turismo), nas categorias de “Melhor Projeto de Desenvolvimento Turístico da Europa”, “Melhor Atração de Turismo de Aventura da Europa” e “Melhor Atração de Turismo de Aventura do Mundo”. Parte destes passadiços ardeu, no entanto, num fogo de 2016, tendo sido reconstruídos. Outro tipo de estruturas que tem também aparecido no cimo das serras são os baloiços em madeira. Para aceder a estes, muitos municípios têm melhorado estradas de terra batida para que os carros possam aí chegar, e em vez de estarem a promover o hill walking (montanhismo), promovem o hill driving (conduzir carros montanha acima). Um exemplo é o baloiço no Alto de Trevim, o ponto mais alto da Serra da Lousã, a cerca de 1200 metros de altitude. Mas há mais. Aliás, é só fazer uma pesquisa num motor de busca (e.g. Google) para encontrar “Os 10 passadiços a não perder em Portugal” ou “Os 10 baloiços mais bonitos de Portugal”.
Também no nosso concelho, o comportamento em manada, acoplado à falta de criatividade dos políticos locais, levou já a que se instalassem dois passadiços de madeira, nomeadamente o Passadiço das Escarpas da Maceira-Porto Novo e o Passadiço da Praia Azul. O primeiro foi inaugurado em 2019, com o objectivo de levar os visitantes a apreciar as escarpas da Maceira por um lado, e os carros pelo outro, já que segue junto à estrada nacional 247. Já caminhei nestes passadiços e achei muito aborrecido pelo que sugiro um percurso a pé alternativo muito mais interessante e diversificado por Santa Rita – Alto de Valongo – Termas do Vimeiro – Santa Rita, o qual descrevo numa publicação no meu blog Colours of Scotland1. O segundo, aberto ao público em 2020, foi também implementado em cima das dunas na praia Azul. Este passadiço teve o apoio financeiro público nacional de 23.770,50 € e da União Europeia de 134.699,50 €, num total de 158.470,00 €. Também já caminhei no mesmo, tendo observado a existência de um parque de estacionamento escavado na parte norte das dunas, o que oferece o acesso direto a passeantes, banhistas e surfistas de carro. Também o que oferece este passadiço extra ao que já existe não é nada de especial, e é até muito entediante para uma criança de 2 anos (o meu filho), que pelo contrário vibra ao caminhar nos trilhos costeiros Cambelas – Paiol (Assenta) ou Cambelas – Foz do Sizandro pelas praias desertas. Mesmo o percurso de bicicleta pela arriba é muito mais agradável. A minha preocupação em relação à natureza que se quer proteger é grande pois o turismo em massa que se tenta atrair é incompatível com a conservação da natureza, e com o verdadeiro turismo de natureza. Dever-se-ia dedicar algum tempo a analisar os custos e benefícios, ambientais, sociais, e económicos, relacionados com a implementação destas estruturas no nosso concelho, utilizando como lente de análise o conceito de “sustentabilidade”. Para haver sustentabilidade no uso dos recursos naturais, a satisfação de necessidades presentes não pode de maneira alguma comprometer a satisfação das necessidades das gerações futuras. Ou seja, a natureza tem de cá estar para usufruto dos meus filhos, netos, trinetos. Na pequena análise que faço para este artigo, parece-me que os custos destas estruturas superam os benefícios. Senão veja-se:
1) Embora sejam estruturas normalmente em madeira, a degradação de passadiços e baloiços pela ação de agentes naturais como o vento, chuva, mar, origina emissões de dióxido de carbono para a atmosfera; o acesso aos passadiços utilizando o carro origina emissões de gases de efeito estufa (GEE), a construção de parques de estacionamento associados originam emissões de GEE pelo revolvimento dos solos e destruição da vegetação natural. Demasiado dióxido de carbono na atmosfera contribui para as alterações climáticas, que por sua vez estão a fazer subir o nível da água do mar, que por sua vez vai engolir os mesmos passadiços daqui a alguns anos. Esta contribuição para a acumulação de GEE na atmosfera não acontece quando saímos da porta de casa a pé para percorrer os trilhos das nossas aldeias;
2) Embora se argumente que facilitam o acesso ao areal de pessoas com mobilidade reduzida, contribuindo assim para a inclusão, este argumento cai por terra quando se percebe que só com carro, mota ou bicicleta se pode aceder aos passadiços, já que não há transportes públicos nas aldeias que permita a quem não tem carro aceder aos mesmos. Acrescenta-se ainda, que inclusão não é de todo prioridade na política local, uma vez que na maioria das aldeias do concelho não existem sequer passeios para adultos e crianças caminharem em segurança, e mesmo em estradas recentemente alcatroadas estes são totalmente inexistentes, como é o caso da nova estrada que dá acesso ao Centro Interpretativo da Reserva Natural Local - Foz Azul, na localidade da Assenta;
3) Os passadiços não servem a quem gosta de caminhar em trilhos e quer realmente estar em contato com a natureza. Estas estruturas atraem sim muitos cujo único objectivo é a autopromoção nas redes sociais, como o Instagram e Facebook, sem qualquer intenção apreciar a natureza, de avistar animais selvagens, de ouvir o som da água do rio a correr, ou das ondas do mar;
4) São estruturas com elevados custos de construção e manutenção. O Passadiço da Praia Azul, com 569 metros de extensão, ou seja, pouco mais de 0.5Km custou 158.470,00 € fora os custos anuais de manutenção. Este valor ajudaria na implementação de muitos passeios em falta nas localidades, ou da sinalização de todos os trilhos do concelho, para que uma verdadeira rede de trilhos houvesse, e assim distribuir aqueles que realmente gostam de caminhar por vários locais do concelho, diminuindo a pressão humana sobre os escossistemas, e contribuindo para a economia de um maior número de negócios como cafés e pastelarias;
5) Apesar de impedirem o pisoteio das dunas da Praia Azul, o passadiço atrai um maior número de pessoas aumentando desse modo a pressão humana sobre este importante ecossistema, com consequente aumento da poluição sonora (barulho), visual (são estruturas artificiais), e lixo (e.g. máscaras, embalagens de plástico) que acabam maioritariamente no mar ou no rio, pondo em causa a sua capacidade de providenciar serviços ambientais (e.g. barreira natural contra a subida do nível do mar);
6) Embora o turismo em massa possa contribuir para a economia total da região, por se comportarem em manada, estes turistas gastam o seu dinheiro todos nos mesmos (e poucos) locais, dando ganho a um número limitado de agentes. Já o turista de natureza, diversifica os seus gastos pois tem interesses múltiplos, podendo assim sustentar uma maior quantidade de pequenos negócios locais, e não apenas um pequeno número de grandes negócios, que muitas vezes nem pagam impostos em Portugal (e.g. hotéis propriedade de multinacionais). O comportamento em manada e os interesses económicos disfarçados pela busca da marca "Turismo de Natureza" estão a fazer com que os políticos locais se empenhem em acabar com aquilo que de mais precioso temos para deixar às gerações futuras, um mundo saudável em que possam viver.
Da minha pequena análise custo-benefício concluo que este tipo de oferta turística transgride os princípios da sustentabilidade. Da minha experiência internacional (caminhar nas zonas mais remotas da Escócia), e nacional (ter o privilégio de chegar a praias desertas em 5 minutos a pé da minha porta), concluo que é um tipo de turismo muito foleiro. Por isso espero que se fique por aqui no que diz respeito a passadiços e baloiços no nosso concelho.