Praticamente todo o território português está em seca extrema ou severa. Só no último ano choveu apenas metade do que seria de esperar. Somo um país com uma situação particularmente sensível nesta área, pois sabemos que irá chover cada vez menos, com períodos de seca cada vez mais longos e intensos, de acordo com estudos nacionais e internacionais. Até 2050, cerca de 17% da população europeia está em grande risco de escassez de água e o Sul é de especial risco.
Neste momento há municípios portugueses a utilizar abastecimento por autotanques e largas dezenas de Câmaras de Norte a Sul tomam medidas em relação a regas, mudança de relva para outros tipos de vegetação mais resistente, reciclagem das lavagens, redução de caudais, sensibilização, entre outras.
Para além das medidas de emergência e restrições a nível nacional, a intervenção local é fundamental. Em Torres Vedras deveríamos ter um verdadeiro “Plano Estratégico Integrado de Monitorização e Preservação dos Recursos Hídricos” e não apenas medidas avulsas de apelo à poupança baseadas no esforço individual dos cidadãos, sem trabalho de planeamento para o futuro, nos edifícios e funcionamento das entidades públicas, nos espaços verdes, na reutilização, nos rios, no levantamento dos recursos e na gestão do seu uso e na eficiência de um abastecimento sem perdas.
Também as entidades privadas e sociais, bem como as atividades económicas devem ser chamadas a esta luta, que é uma questão de sustentabilidade da própria economia local, assente muito particularmente em atividades florestais e agrícolas intensivas, com grande consumo de água.
De nada servem campanhas de sensibilização a fazerem-nos sentir culpados por lavar as mãos um pouco mais demoradamente e depois ter um concelho onde se desperdiça 22% da água distribuída pelos SMASTV em perdas da rede.
Não adianta estarmos preocupados com a duração do nosso banho, enquanto a autarquia rega relvados no verão, por todo o concelho, muitos apenas decorativos e inúteis, em vez de substituir por árvores ou vegetação resistente.
Não podemos alicerçar uma tarefa como a poupança da água, apenas nos cidadãos, enquanto se aumenta a área de eucaliptos e de agricultura intensiva no concelho, conhecidas pela sua avidez de água, em vez de uma agricultura mais sustentada e floresta mais diversificada. Nos últimos 4 anos temos mais 10% de área de eucaliptos no concelho, que já totaliza 80% da área florestal e 20% da área total do concelho.
Como podemos olhar para os nossos rios secos e mortos, onde há despejos poluidores sem vigilância ou castigo e ainda ver nos charcos que restam, bombas para rega em pleno agosto, no desrespeito por normas internacionais. Um rio com despejos e sem um caudal mínimo, não é vida. Quem monitoriza os nossos rios e cuida deste património hidrográfico?
Sem uma visão global e um Plano de preservação de água no território, nos edifícios públicos, nas instituições, ou até nas empresas, que vá ao fundo da questão, não se pode esperar que a solução resida apenas nos cidadãos. Estamos a falar de água da rede, de lençóis, furos, rios e ribeiras.
Pedem-nos para poupar água, para sobrar mais para a indústria, o agronegócio, a pasta de papel e a agricultura intensiva, onde apenas beneficiam alguns?
É tempo de ter coragem e pensar no nosso futuro, defendendo um recurso essencial à vida que é de todos. A gestão de um bem universal que permite a vida, alimenta os ecossistemas e promove o bem-estar social, não pode ter respostas mínimas da Autarquia.
Por isso as medidas de combate à seca, às alterações climáticas, e de gestão dos recursos hídricos, necessitam de coragem e de uma ação concertada abrangente, com base em princípios científicos e valores ambientais, bem como pressão e exigência de outras entidades competentes.
Infelizmente vemos uma inação centrada em medidas de cosmética avulsas, ignorando que este combate se faz com mudanças profundas, mesmo que isso incomode certos interesses. Infelizmente em Torres Vedras essa liderança corajosa não existe.