Quando estou em Portugal pego frequentemente na bicicleta aos Domingos de manhã e faço-me à estrada de terra batida. Começo por ir ver o mar a Cambelas, dali sigo pela beira-mar até à Foz do Rio Sizandro e continuo pelo agora denominado Eco-Caminho, fazendo o percurso desde a Foz até ao Aranha. A sinalização melhorou, e as indicações são agora mais claras. O caminho é bastante popular e encontro muitos grupos e famílias com crianças em bicicleta e também pessoas a caminhar. Como vivo no Reino Unido e tenho amigos um pouco por todo o mundo, promovo muito a região Oeste como destino de férias e muitos deles já seguiram o meu conselho e vieram passar temporadas no Verão. Uma das atividades que recomendo é fazerem o caminho da Foz até Santa Cruz ou da Foz até Torres Vedras de bicicleta. Mas quem vem de fora tem perguntado porque se chama a este percurso um Eco-Caminho se os ecossistemas estão muito degradados. O trajeto desenrola-se por entre campos agrícolas nos quais se amontoam metros e metros de plásticos pretos utilizados para regar as culturas. Estes plásticos acumulam-se tanto nos limites destes mesmos campos como envolvidos nos solos fertéis de aluvião. Aí são negligentemente deixados a apodrecer e a decompor-se em micro plásticos para mais tarde entrarem na nossa cadeia alimentar através dos produtos hortícolas que consumimos. A degradação do solo fértil, um recurso vital e finito, compromete o Objetivo de Desenvolvimento Sustentável número 15 da Organização das Naçõess Unidas (ONU) “Proteger, recuperar e promover o uso sustentável dos ecossistemas terrestres (…), combater a desertificação, deter e reverter a degradação da terra (…)”. Além de se fixarem nos solos, os pedaços de plástico preto são transportados pelo vento para as margens do rio Sizandro sendo conduzidos pela corrente até ao seu estuário e consequentemente até ao mar, o que compromete o Objetivo de Desenvolvimento Sustentável número 14 da ONU “ Conservação e uso sustentável dos oceanos, dos mares e dos recursos marinhos”. Nesta zona do percurso, muitos campos agrícolas são irrigados com água do Rio Sizandro. Segundo os dados apresentados no Portal do Clima1a precipitação tem vindo a variar cada vez mais na região Oeste tendo já atingido valores acumulados abaixo dos 50mm durante Primavera e 0mm durante o Verão. A baixa precipitação, acompanhada pela construção de represas e pela extração desregrada de água diretamente do rio com motores elétricos, tem levado o caudal deste curso de água a descer de forma crítica para a vida aquática e para a manutenção do seu ecossistema. O uso descomedido da água para fins agrícolas desrespeita a Diretiva-Quadro da Água (Diretiva 2000/60/CE do Parlamento Europeu e do Conselho de 23 de Outubro de 2000) que estabelece um quadro de ação comunitária no domínio da política da água com vista “àprotecção das águas comunitárias em termos de quantidade e de qualidade, para promover uma utilização sustentável da água (…) para proteger os ecossistemas aquáticos e terrestres e as zonas húmidas que deles dependem directamente (…)”. Também compromete vários Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU, nomeadamente o Objetivo 12 (Produção e Consumo Sustentável), o Objetivo 14 (Vida Debaixo de Água) e o Objetivo 15 (Vida na Terra). Como se ainda não bastasse, algumas das minhas visitas coincidiram com a movimentada feira medieval que decorre em Agosto em pleno almargem da Foz, local de reprodução e descanso de aves migratórias e incluído na Rede Natura 2000 (através da Diretiva Habitats). O Eco-Caminho deveria considerar os interesses de um conjunto diverso de atores, entre os quais ciclistas, caminheiros, agricultores, turistas, observadores de aves, fotógrafos, surfistas etc. e não apenas de um destes grupos. Deve ainda respeitar totalmente os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU. Adicionalmente, sendo o turismo considerado um importante motor de desenvolvimento para a região, seria de evitar que os visitantes (nacionais e estrangeiros) se referissem a este percurso como um Plástico-Caminho não como um Eco-Caminho.
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