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Debaixo de água

O Oceano Atlântico banha a costa de Portugal Continental, numa extensão de cerca de 950 km. Nos dias frios e com sol de Inverno, o mar azul é quase hipnotizador, de tal forma que atrai muita gente, principalmente ao fim de semana, para as zonas costeiras e os seus miradouros. Existe mesmo um grande desequilíbrio populacional entre o interior do país e o litoral, onde cerca de 60% da população vive a pelo menos 25 km da costa e onde a densidade populacional média do litoral é cerca de 372 vezes mais do que a do interior (104 habitantes por km2 no litoral versus 0,28 habitantes por km2  no interior)[1].

O concelho de Torres Vedras, por ter uma posição estratégica em relação a Lisboa, cativa muita gente que para cá vem viver, especialmente nestes tempos de pandemia em que muitos almejam a sua casa de campo com jardim e vista de mar. A forte procura tem-se traduzido numa intensa ocupação humana, quer para habitar quer para visitar, colocando pressão quer nos aglomerados rurais já existentes quer nas zonas de interesse paisagístico e ecológico, como são as zonas costeiras do concelho, que ainda por cima estão sujeitas a processos erosivos graves, originando situações de risco para pessoas e bens.

Os efeitos destes processos erosivos verificam-se a olho nu em algumas aldeias costeiras, como por exemplo na Assenta, Cambelas, ou Porto Novo. É de referir que a erosão das arribas é um processo natural que ocorre por força dos agentes exógenos como a chuva, o vento, o clima, ou a ondulação marítima. No entanto, a subida inevitável do nível das águas do mar, devido ao aquecimento global, pode estar já a acelerar a erosão das arribas a partir da sua base.

Há vários cenários para a subida do nível médio da água do mar sendo que há cálculos de acordo com os diferentes cenários de subida da temperatura média do planeta. Mesmo que se cumpra a meta do Acordo de Paris, de se limitar a subida da temperatura média em 1.5C, a subida do nível da água do mar já está a ocorrer e irá continuar devido ao degelo do Ártico.

Um estudo publicado em 2019[2], com um mapa interativo disponível, projeta a perda de superfície terrestre para o mar em 2050 (ou seja, daqui a menos de 30 anos) e pode verificar-se neste mapa que  toda a extensão costeira do nosso concelho será afetada, incluindo as praias da Assenta, Cambelas, Foz do Sizandro, Santa Cruz, Porto Novo[3].

A Estratégia Municipal de Adaptação às Alterações Climáticas, publicada em 2016, reconhece a “continuada subida do nível médio do mar, e identifica como impactos desta subida no concelho, “a destruição de construções para apoio a atividades/usufruto do património do litoral” ou a “erosão costeira e danos no sistema dunar”[4]. Entre as opções de adaptação, a Estratégia pondera “Identificar e programar o abandono de áreas edificadas expostas à subida do nível do mar e em leito de cheia”.

Recorde-se que para proteger as zonas costeiras em risco de inundação se poderá considerar intervenções de engenharia com o objetivo de proteger edifícios e outras infraestruturas dos eventos extremos. Há vários exemplos pelo mundo de infra estruturas deste tipo, como por exemplo a Thames Barrier e as Venice floodgates que protegem Londres[5] e Veneza[6], respetivamente, de inundações, ou os diques na Holanda[7], que elevaram este país acima do nível do Mar do Norte.

Há que ter em conta que este tipo de infra estruturas, designadas “cinzentas”, têm custos elevadíssimos de construção e manutenção e são apenas soluções a curto e a médio prazo. Se fossem implementadas na costa do nosso concelho ter-se-ia de discutir como financiar as mesmas. Por exemplo:  Seriam os habitantes de Porto Novo ou Assenta a pagar obras de intervenção naqueles locais? Ou seriam os munícipes de Torres Vedras através, por exemplo, de um agravamento do IMI? Ou seriam as empresas turísticas (e.g. hotéis) a pagar? Ou seria o orçamento de estado através de um agravamento geral de impostos sobre o rendimento ou sobre as empresas? E seria justo que os habitantes do interior do país pagassem mais impostos para financiar intervenções no litoral? Ou seria justo que habitantes da Coutada pagassem mais IMI para financiar obras em Porto Novo ou Assenta?

Existem também, medidas de baixo custo, nomeadamente as infra estruturas ‘verdes’ que utilizam as funções e os serviços dos ecossistemas para alcançar soluções de adaptação mais facilmente implementáveis e muito provavelmente de melhor custo-eficácia do que as infra estruturas ‘cinzentas’. Entre este tipo de intervenção estão a proteção e conservação das zonas dunares, que funcionam como buffers em relação à subida do nível da água do mar, a interdição das arribas aos veículos a motor e à construção de casas e estradas de alcatrão, ou a promoção da vegetação autóctone das arribas para manter o solo.

Além disso, o Município deveria cumprir a meta da neutralidade carbónica o mais rápido possível, sendo que aqui se necessita de que todos os outros municípios, e países, façam o mesmo para limitar o aumento da temperatura média do planeta, sendo pouco inteligente esperar para ver o que fazem os outros.

O Município deverá também identificar e implementar ações de adaptação, considerando a sua própria Estratégia Municipal de Adaptação às Alterações Climáticas e respeitar o Plano de Ordenamento da Orla Costeira (POOC) Alcobaça-Cabo Espichel de 2019, o qual pretende a adoção de uma “estratégia coerente, procurando evitar intervenções contraditórias e de curta duração que apenas minimizam, mas que não resolvem o problema de fundo”. No anterior POOC Alcobaça-Mafra de 2002[8], previa-se já a “contenção da expansão urbana nas zonas de maior sensibilidade ecológica e ambiental, nomeadamente nas zonas de risco, a protecção e valorização da diversidade biológica e paisagística associada aos ecossistemas costeiros, o desenvolvimento das potencialidades turísticas e de recreio e o ordenamento do uso dos areais e das frentes de mar”.

Ainda em relação à erosão das arribas de Porto Novo, assunto que tem recebido bastante atenção por parte deste jornal, há que relembrar que é devido a estes processos erosivos que as praias são recarregadas com sedimentos (e.g. areia) uma vez que os sedimentos que desaguam pelos rios tem vindo a diminuir consideravelmente ao longo dos anos devido ao pisoteio das dunas, à extração de areia dos rios, praias e dunas, à retenção de sedimentos nas albufeiras das barragens, às estruturas portuárias, e à subida do nível da água do mar provocada aquecimento global[9]. A praias da Costa da Caparica e Arrábida (e.g. Portinho da Arrábida) são exemplos do que pode acontecer nas praias do Oeste se não houver reposição de sedimentos[10]. A erosão das arribas dá ainda a conhecer fósseis de dinossauros aos paleontólogos do nosso concelho[11].

Pede-se assim que a Vaklouro, associação ambiental e cultural da Maceira, apresente as suas reivindicações em relação aos problemas de erosão verificados na praia de Porto Novo de forma refletida e informada, e de que ideias que aparecem de quando em vez em programas eleitorais e artigos de opinião sobre a necessidade de uma auto-estrada para Santa Cruz sejam totalmente desconsideradas, sob pena de se perder “a mais bela praia do Oeste”[12].

 

[1] https://www.portugal.gov.pt/pt/gc21/governo/programa/programa-nacional-para-a-coesao-territorial-/

[2] Kulp and Strauss (2019) (DOI: https://doi.org/10.1038/s41467-019-12808-z )

[3] https://coastal.climatecentral.org/map/10/-

[4] http://www.cm-tvedras.pt/ficheiros/pdfs/00_emaac_torresvedras.pdf

[5] https://en.wikipedia.org/wiki/Thames_Barrier

[6] https://eos.org/articles/for-venices-floodgates-to-work-better-forecasts-are-needed

[7] https://en.wikipedia.org/wiki/Flood_control_in_the_Netherlands

[8] https://dre.pt/dre/detalhe/resolucao-conselho-ministros/11-2002-234725

[9] Costa (2004) (DOI: http://hdl.handle.net/1822/3493 )

[10] https://www.evasoes.pt/noticias/as-praias-paraiso-da-arrabida-estao-a-perder-areia/450957/

[11] http://www.cm-tvedras.pt/artigos/detalhes/bruno-camilo/

[12] Badaladas, 14 de Janeiro de 2022