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Porque não podemos confiar na Direita para defender o SNS

Recentemente, a cidade de Torres Vedras, assistiu ao encerramento das urgências pediátricas do Hospital, uma realidade que se tem vindo a manifestar em vários hospitais do país e demonstra o enfraquecimento do SNS e o desvio de profissionais, para as crescentes instituições privadas de saúde. No entanto, o que motivou grande agitação não foi o encerramento das urgências, mas as declarações dúbias da Ministra da Saúde que, sugeriam um eventual encerramento permanente das urgências pediátricas em Torres Vedras, passando o reencaminhamento para as Caldas da Rainha a ser definitivo.

Estas declarações motivaram comunicados e conferências de imprensa das diferentes forças políticas do concelho, até mesmo dos partidos de Direita PSD e Aliança, tendo o CDS pedido uma reunião urgente da Assembleia Municipal para discutir o tema. Ora, não estará a Direita fora do seu habitat natural quando defende o SNS? Os próprios partidos assumem este desconforto ideológico, tal como vimos na conferência de imprensa do PSD, em que o Sr. Luís Carlos afirma: “Paradoxalmente é o PSD que defende o Serviço Nacional de Saúde.”

A história da Direita com o SNS não começa bem. Logo em 1979, ano em que se aprovou a Lei do SNS, que tornava os cuidados de saúde universais e gratuitos, o PSD e o CDS votaram contra. Desde aí, sempre que foram governo, introduziram alterações à lei que enfraqueceram o SNS ao fazê-lo refém dos privados. Há muito que a Direita sonha com a privatização da saúde em Portugal, inspirada num sistema de seguros de saúde à la Estados-Unidos, que tão bem funciona... No entanto, por mais publicidade que estes seguros de saúde fizessem em Portugal, a verdade é que não conseguiam captar grande clientela, porque tinham um grande inimigo… O SNS. É assim, que uma grande operação para enfraquecer o SNS e mercantilizar a saúde se vai desenhando em sucessivos governos.

Na revisão constitucional de 1989, era Cavaco Silva Primeiro-ministro, o SNS deixa de ser “gratuito” e passa a ser “tendencialmente gratuito”. É a partir daqui, que os utentes do SNS passam a pagar diretamente alguns dos cuidados de saúde, que indiretamente já tinham pago através dos seus impostos. Em 2003, as taxas moderadoras são inauguradas, pelo governo de Durão Barroso que sofrem brutais aumentos no governo de Passos Coelho. Embora, introduzidas com o intuito de poupar a despesa do estado com a saúde ao tentar reduzir a procura por cuidados, as taxas moderadoras acabam por contrariar o seu objetivo, pois as pessoas vão sempre precisar de recorrer aos serviços de saúde, só que em vez de o fazerem numa fase inicial da doença, que requeria menos cuidados e menos despesa, quando chegam ao hospital é já através da urgência, quando a doença está numa fase mais aguda, requerendo também mais cuidados e possível internamento.

Em 1990, é aprovada uma nova lei de bases da saúde. A Direita achou boa ideia abrir a concorrência ao SNS, mas, para além disso, a lei referia, ainda, que era responsabilidade do estado apoiar o crescimento do setor privado da saúde. Chegamos ao ponto de ter os grupos privados da saúde, a “concorrência” do SNS, a gerir hospitais públicos! Tudo começou ao enfraquecer a capacidade de resposta do SNS, que deixa de comprar equipamentos e passa a encomendar exames e diagnósticos aos privados, pagos pelo SNS, ou seja, os privados crescem à custa do estado. A dependência do SNS dos privados foi crescendo e, hoje, cerca de 40% do orçamento do SNS é desviado para os privados, em vez de ser investido para dotar o SNS dos equipamentos, pessoal e serviços que precisa. É uma verdadeira renda paga aos grupos privados que lucram com a incapacidade programada do SNS. Que ninguém se deixe enganar, o interesse dos privados na saúde é o negócio que só conseguem através da doença, pois, só com ela lucram. Ao contrário do SNS, que funcionará cada vez melhor quanto menos pessoas doentes tiver ao seu cuidado, desimpedindo os serviços e, por isso, deveria apostar mais na prevenção da doença e promoção da saúde, que sempre teve pouco investimento e foi alvo de grandes cortes no tempo da troika.

Em 2002, no governo de Durão Barroso, os hospitais públicos são transformados em sociedades anónimas com o intuito de, no futuro, serem todos vendidos aos grupos privados da saúde, privatizando por completo a rede hospitalar. Os hospitais passam a ser geridos como empresas para tentar conter os custos de funcionamento, no entanto, as medidas tomadas trouxeram a precariedade aos contratos de trabalho e uma gestão focada em resultados financeiros, em detrimento da qualidade dos cuidados, trazendo o caos às unidades hospitalares. Em 2005, o Ministro da Saúde Correia Campos, no governo de José Sócrates, altera a natureza jurídica dos hospitais de Hospitais SA para EPE (Estabelecimentos Públicos Empresariais), o que impediu a sua privatização, mas manteve as mesmas regras de gestão desastrosas.

Por isso, quando hoje vemos a Direita em missão de salvamento do SNS, não deixemos esquecer que foi essa mesma Direita que, em 2013, fechou a maternidade no Hospital de Torres Vedras. O estado débil em que se encontra o SNS é resultado de um ataque programado, que tem rostos e responsáveis, todos de Direita. Será por acaso?