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Será que conseguiram calar os runenses?

Após a crescente revolta popular em Runa contra a localização da Subestação de tração e seus impactes negativos, que pressionou todas as entidades, até à altura caladas e aceitando um fato consumado; realizou-se no dia 23 de março uma reunião entre as Infraestruturas de Portugal, IP, autarcas de Torres Vedras e das freguesias e alguns populares de Runa.

Desse encontro parece surgir uma proposta alternativa de mudar a subestação para o outro lado da linha da CP, ou seja, subir a estrutura apenas 50 metros em direção ao Penedo, junto à encosta.

Não se entende bem como surge esta ideia, igualmente desconhecida dos runenses, nem como ela pode ser apresentada como uma alternativa que reduza os impactos. Uma coisa é certa, trata-se de uma ideia que está a ter efeitos no silenciar da revolta popular, o que é bastante conveniente para o poder local e a empresa.

Vejamos então como poderá ficar esta famosa mudança, usando a maquete do próprio estudo da IP, numa escala semelhante:

Os dois problemas que se resolveram com esta passe de mágica foram a proximidade à habitação na estrada para o Penedo, e manter o caminho, provavelmente romano e árvores envolventes.

Mas esta suposta solução, é ainda melhor para a IP, que não tem de encontrar alternativa e resolve a atual a baixo custo, podendo apressar agora as obras.

1- Por um lado, atende à distância da habitação mais perto, cuja família preparava uma ação judicial e isso iria atrasar muito as coisas. Problema resolvido.

2- Por outro lado, poupa as 40 árvores, que sendo tantas e tão importantes, o seu abate iria ficar muito mal na fotografia e poderia alimentar ainda mais protestos, como se verificou quando a primeira foi cortada. Problema resolvido.

3- Ao afastar a Subestação do caminho entre pontes romanas, evita a realização de prospeções, permitindo agora que a obra possa iniciar-se mais rapidamente. Problema resolvido.

4- Tudo isto a custo zero, dado que o terreno é do mesmo proprietário, o custo da expropriação é o mesmo, basta escriturar uma parcela em vez da outra. A proximidade à estrada do Penedo, mantém a vantagem dos acessos a baixo custo. Problema resolvido.

5- Muda-se algo, mantendo o essencial dos problemas e calam-se os protestos, satisfazem-se os autarcas, que estavam a ser postos em causa pelo seu silêncio cúmplice e muitos cantam vitória. Esta já é uma cereja no topo do bolo.

Mas afinal resolveram-se os problemas de quem?

Todos os impactes e as razões de fundo que levaram à revolta popular permanecem inalteráveis, pelo contrário, a nova zona fica encostada à arriba, agravando em muito a agressão arqueológica que se avizinha. Continua perigosamente perto de habitações, agrava os impactes paisagísticos e ambientais, coloca as linhas e postes ainda mais perto, mantendo o impacte no desenvolvimento de turismo do ambiente. No geral fica tudo igual, ou pior.

1. Proximidade de muita alta tensão a habitações.

A distância à habitação mais afetada aumenta, mas estreita a distância a outras habitações, nomeadamente na estrada e na localidade de Penedo, mantendo-se na zona urbana limite de Runa e Penedo. Já aqui descrevemos vários estudos e argumentos que aconselham a distância destas estruturas a habitações entre 50 a 100 metros. A Subestação, continua entalada entre Runa e Penedo, numa zona que deve continuar a preocupar os habitantes, não só em relação à exposição continuada a radiação, mas também por precaução a possíveis acidentes dos postes e torres com 40 metros devido a temporais ou acidentes. Por onde vão agora passar as linhas e os postes de alta tensão? Pelo mapa tudo indica que ficam mais perto da Quinta e da aldeia de Penedo, para subir pela encosta, em ângulo apertado.

2. Impacte paisagístico muito grave.

A proximidade a Penedo é alarmante, o que deveria preocupar as pessoas, dado que um olhar rápido pelo mapa da possível localização, inquieta só de pensar por onde vão agora subir as linhas de muito alta tensão. Podemos imaginar que as linhas vão subir a serra do Penedo e manter o impacte paisagístico já anteriormente assinalados nos próprios estudos de impacte. Quer olhando desde o Penedo para baixo, quer olhando de Runa para cima, é uma agressão visual violenta.

3. Zona arqueológica ainda mais ameaçada.

A nova proposta coloca a Subestação muitíssimo mais perto da zona arqueológica da villa romana e castro do Penedo, uma zona histórica com achados importantes do calcolítico e da ocupação romana, muitos deles encontram-se no museu municipal de Torres Vedras. O risco arqueológico aumenta bastante, tratando-se de uma agressão ainda mais grave.

4. E ainda…

Estamos em plena Reserva Agrícola Nacional.

De salientar ainda o impacte das obras e dos postes de 40 metros a ser transportados em veículos enormes, irão causar incómodos enormes em Runa e Penedo que serão atravessadas por tudo isto.

Mantêm-se inalteráveis as críticas da própria Agência do Ambiente que solicitou à IPI estudos de localização alternativos, que nunca foram feitos.

Para mais informação sobre os impactes desta obra, é importante a leitura deste artigo sobre o assunto:
Subestação Elétrica: Runa entregue à sua sorte
A modernização e eletrificação da linha do Oeste é uma obra inestimável, mas o progresso não se faz a qualquer preço.

Esta solução tirada miraculosamente da cartola, sabe-se lá de quem e com que intenção, vem embrulhada na questão da localização do apeadeiro e da passagem superior, cuja construção, não deveria ter sido usada como moeda de troca, pois eram igualmente reivindicações mais que legítimas e independentes do resto.

Tudo isto não deixa ninguém descansado quanto ao novo local, não se compreendendo como as pessoas e entidades que chamaram a atenção para os problemas da localização, agora aceitam esta novidade, quando os mesmos problemas de fundo são exatamente os mesmos, ou piores.

A pergunta agora é saber quem é que ganhou, quem é que lucrou, quem é que fica bem na fotografia e, afinal, quem se tramou?

Na nossa ótica Runa não se apercebeu da força popular que tinha e ainda tem e da vantagem que estava a ganhar em termos negociais. E não foi qualquer organização que a ganhou ou que a construiu. Essa vantagem foi ganha pelas pessoas que saíram à rua e que se impuseram às suas autarquias e às entidades nacionais. Pessoas que nunca foram ouvidas, que foram muito mal defendidas por quem tinha essa obrigação e continuam a não ter uma palavra a dizer.

A forma como a reunião decorreu, pelos relatos que foram públicos, não foi uma reunião para o povo ser ouvido, mas sim uma reunião para calar, quem afinal vai ter de viver o seu futuro com o “mono” ao pé de casa, porque todos os restantes estarão no conforto dos seus lares.

Seria importante, manter em aberto o estudo de uma localização alternativa e retomar o assunto de forma séria, pensando realmente nas populações e no futuro de Runa.

Runa continua entregue a si própria, num esquema de contornos duvidosos que, na sua essência, muda alguma coisa, para que tudo fique na mesma.

Mas será que conseguiram calar os runenses?