Na nossa Constituição ahabitação digna é um direito fundamental, devendo terdimensão adequada para a nossa família, condições de higiene e conforto e que preserve a intimidade pessoal e familiar. O próprio documento atribui ao Estado a responsabilidade de desenvolverpolíticas de construção, recuperação e de arrendamento com preços acessíveis, bem como uma gestão de solos e de equipamentos sociais,que contribuam para este desígnio.
O resultado de deixar o mercado livre para gerir aquilo que é um direito humano e constitucional, está à vista e Torres Vedras não é exceção. Estamos a tornar-nos numsatélitede Lisboa onde muitas famílias procuram preços mais acessíveis, temos uma imigração crescente e fomos dos concelhos portugueses que mais cresceu em população, mas os rendimentos baixaram e os preços da habitação subiram.O aumento da procura reflete-sena dificuldade dosnossos jovens em alugar ou adquirir casae tornou-se no maior problema das famíliase a sua maior despesa mensal.
Em Torres, um T1 ronda os550/600 euros mensais e um T2 acima dos 600/650 euros. Se formos para Santa Cruz é tudo acima de um milhar de euros. Isto levanta, desde logo, o problema dos apoios ao arrendamento do Programa Porta 65, que têm um teto máximo de 475 eurospara o concelho, quando não há casas T1 para arrendar por esse preço. Em termos decomprae mesmo para recuperação, estamos acima dos 80 mil euros e um andar novo nunca será inferior a 250 ou 300 mil.
Segundo o PORDATA, a média salarial dos portugueses trabalhadores por conta de outrem,era de 1206eurosem 2019 e em Torres Vedras era de 1030 euros. Estamos abaixo da média nacional e muito abaixo da média da área metropolitana de Lisboa que é de1477 euros mensais.
Está em causa um direito fundamental, agravado porum deslocamento para Torres Vedras de famílias da zona de Lisboa com maior rendimento e a consequente subida dos preços, com os torrienses de mais baixos salários a deixar de poder viver nos centros urbanose na zona litoral, especialmente os jovens.
É comum depender dos pais ou familiares, partilhar casas e quartos, ou morar em casas degradadas. Sem esquecer os mais de 5 mil imigrantes que vivem em Torres Vedras, muitos deles na zona agrícola, sobre os quais se continua a desconhecer a real situação.
A Estratégia Local de Habitação de Torres Vedras é insipiente, com um investimento muito aquém do desejado. O Programa 1º direito prevê abranger 116 agregados familiares em seis anos, destinando-se essencialmente a reabilitarhabitação socialmunicipal, recuperação de habitações degradadas, incentivosà reabilitação, alojamento temporário, alguma aquisição para e apoios à renda, ou seja, acudir a algumas das situações mais prementes numa política remediativa. Nesse âmbito as opções orçamentais para 2023 apresentam uma despesa de 1,2 milhões de euros em habitação, dentro dos objetivos referidos. O apoio ao arrendamento é de 219 mil euros, quando o orçamento anual autárquico é dequase 74 milhões de euros.
Está ainda previsto em 2023 um estudo estratégicode 725 mil euros para pensar também nacandidatura ao PRR, já tardiamente, desconhecendo-se qual a dimensão da aposta da nossa autarquia, mas esperemos que nãopassede mais umagota de água nas necessidades da população, incluindo aclasse média e os jovens, com o mercado a ditar os seus valorescada dia que passa.
Não deixa de ser sintomático que, perante uma situação social grave com anos, a autarquia ande a fazer mais estudos. Entretanto o tempo passa, os estudos repetem-se e a oportunidade perde-se, especialmente quando temos ao dispor um Plano de Recuperação e Resiliência em curso, que prevê verbas específicas sem paralelo nesta área.
As prioridades da autarquia não podem estar divorciadas dos grandes problemas dos torrienses.
Quem vive no mundo real conhece esta dificuldadehá muitos anose já na campanha autárquica de 2021 me candidatei pelo Bloco de Esquerda,tendo como grande prioridade a habitação, defendendouma política dehabitação pública como uma das formas de combater a especulaçãoe devolver a dignidade às pessoas.
É fundamental uma maior mobilização orçamentalpara apostarna prevenção e na raiz do problema, através de forte investimento num parque público habitacional a custos acessíveis, previsto no PRRe uma gestão do território virada para as pessoas e não para os interesses. Estamos perante um enorme desafio e as autarquias são fundamentais, pois têm um conhecimento do terreno e a proximidade para implementar as políticas necessárias, em articulação com o poder central.
Isto devia passarpor uma Estratégia que, para além das migalhas em apoios e pouca habitação social, possa garantir um investimento estrutural robusto num parque habitacional público, bem como o estabelecimento de quotas de habitação acessível ou condicionada, nas novas construções, em vez das políticas pontuais de remediaçãodo costume, que nos trouxeram até aqui.
À semelhança da aposta na Educação e na Saúde, a Habitação Pública deve ser o desafio da nossa sociedade. Apenas 2% da habitação em Portugal é pública e centrada em grandes centros, enquanto há países europeus a chegar aos 30%, como no norte da Europa, ou na Áustria, Alemanha e Holanda, por exemplo. Em Torres Vedras limitamo-nos a alguns fogos de habitação social, sem expressão estatística.
Podemos aproveitar o património público com esse fim, adquirir e reabilitar habitação devoluta ou em ruínas e orientar os planos de Reabilitação Urbana previstos para o concelho, gerindo os incentivos públicos numa perspetiva de habitação controlada e não como forma de alimentar ainda mais a especulação.
Passa ainda por políticas de transportes, de equipamentos e umagestão do território que garantaa existência de solo e edificado disponíveispara habitação acessível, em vez de um PDM que retira área habitacional do interior do concelho,para o litoral, aumentando a pressão, a especulaçãoe acentuando as assimetrias.
Há também todo um conjunto demedidas como melhorar apoios, incentivos, ou controlarpreços, especialmente das rendas, com a autarquia a poder ter um papel muito mais relevante do que tem até aqui.
Infelizmente a Câmara de Torres Vedras não tem este tipo de prioridade e de visão estratégica para o futuro, nesta ou noutras áreas fundamentaispara as pessoas, age tardiamente, perde tempo, limita-se a uma gestão avulsa de casos prementese estuda, esperando aquilo que o poder central possa determinar.
Foram todas estas políticas que nos trouxeram atéaqui, bem como a falta de visão do que mais afeta a população. Enquanto isso, os torrienses desesperam com uma situação que se agrava todos os dias com os salários a não chegar para ter um teto e muito menos para os nossos jovens poderem viver dignamente.
No próximo dia 1 de abril, haverá em várias cidades, como Lisboa, Coimbra e Porto, uma manifestação pelo direito à habitação, que se espera, participada por números recordes de pessoas e na qual, todas e todos temos o dever de participar, pela defesa de um direito básico, para nós, para os nossos filhos e para quemnecessita de um teto digno e comportável.