De acordo com as organizações sindicais, o MECI, Ministério da Educação, Ciência e Inovação, faz depender a devolução dos seis anos, seis meses e 23 dias, da revogação do chamado “acelerador de carreira” legislado pelo anterior governo, o decreto-lei nº74/2023, que não tem nada a ver com o tempo congelado, mas sim com o tempo de espera de vagas para os 5º e 7º escalões, que a maioria dos docentes sofreu a par do congelamento.
A proposta feita pelo atual Ministro aos sindicatos no primeiro encontro negocial, quer dar com uma mão e tirar com a outra, pondo em questão se há uma genuína vontade de respeitar as promessas eleitorais.
Não é leal misturar um outro assunto, apenas para penalizar os professores, pondo na mesa negocial este tipo de matérias, para depois se negociar o que, à partida, nunca deveria estar em discussão.
Para além disso, estender a devolução por cinco prestações de 20% até 2028, conforme proposto pelo ME, irá ser já bastante penalizador para os docentes nos últimos patamares, dado que se irão reformar ou atingir, entretanto, o último escalão sem receber parte ou mesmo a totalidade da reposição. Sem esquecer que muitos se vão reformando sem atingir o topo da carreira.
Deveria ser prevista a devolução para efeitos de cálculo de reforma, como forma de minimizar as injustiças, mas essa não é a proposta do MECI que, de acordo com os sindicatos, apenas aplica a devolução aos professores em exercício. Muitos professores nunca irão reaver este tempo e isso diminui a sua reforma, deixando-os em desvantagem em comparação com os restantes. É preciso referir que se irão reformar em 2024 cerca de 5 mil professores e em 2023 foram 3.500, mais de 50% do que no ano anterior de 2022. Tendência que se vai agravar de ano para ano, já que 55% dos professores tem mais de 50 anos de idade e destes, 22% tem mais de 60 anos. Ainda de acordo com o mesmo relatório da OCDE, em 2022 só 16% estavam no último escalão.
Não se pense que o tempo congelado é o único problema na carreira docente, pois a este acresce o tempo real perdido entre transições de carreira e ultrapassagens de quem vinculou após 2011 e foi reposicionado. Para alem disso há docentes que já usaram o tempo entretanto recuperado para sair dos travões do 5º e 7º escalões. São aspetos porventura difíceis de entender para quem está de fora, mas muito injustos para quem viu a sua carreira penalizada em diversas situações. Por isso, para além da recuperação do tempo de serviço, a única forma de reparar as injustiças criadas pelos remendos feitos ao longo do tempo, seria reposicionar todos os docentes no seu devido escalão de acordo com o seu real tempo de serviço. Parece simples, mas demonstra que os problemas dos professores são mais estruturais e o descontentamento e desânimo têm raízes profundas, que um mero regatear ministerial ofende.
A carreira docente já é suficientemente penalizadora para assistirmos a todos estes truques negociais, atingindo pessoas que deram a vida pela Educação. Com um brutal congelamento por devolver; com anos e anos de travão em dois dos 10 escalões da carreira, onde só passam 25% dos professores e com os anos de estagnação como contratados, que pode ir aos 15 anos no início da carreira; os professores portugueses são dos europeus que mais têm de trabalhar para chegar ao topo da carreira segundo o relatório da OCDE "Education at a Glance 2022".
Se a devolução faseada tivesse começado em 2019 conforme proposta chumbada no Parlamento, o assunto estava resolvido, mas é bom recordar que PS, PSD e CDS juntaram-se para o impedir, isto depois da direita ter votado favoravelmente na especialidade, o que permitiria a aprovação. Assistimos agora a este triste jogo com o tempo, para deixar cada vez mais pessoas de fora, depois de uma campanha eleitoral com tantas promessas.
Não podemos esquecer que o problema central das escolas portuguesas, a falta de professores, se irá agravar pela idade dos quadros e pela dificuldade de renovação. Sem uma carreira digna não se atraem novos jovens, sendo imperioso discutir a melhoria das condições profissionais e de trabalho, que possam melhorar a Escola.
Em vez de estarmos a negociar uma verdadeira reparação de injustiças, bem como medidas que possam tornar a carreira mais digna e atrativa para o futuro, temos o Governo a pressionar um caminho de mitigação de um roubo feito à classe docente portuguesa, fingindo que negoceia e que dá alguma coisa, quando na prática joga com o passar do tempo e tenta fazer descontos em compensações anteriormente legisladas noutra matéria.
Este início de “negociação”, acompanhado com o discurso da “tanga” do próprio Governo, faz-nos recordar outros tempos de governação e deixa-nos imensamente pessimistas em relação ao processo negocial em curso e à efetivação de medidas estruturais numa carreira que atraia profissionais e no investimento que qualifique a Escola Pública.