Este Governo despede-se deixando todos os problemas da Educação Pública por resolver, após o falhanço negocial para valorizar a carreira e as condições de trabalho dos professores. Focou-se no ataque ao direito à greve e deixa como herança uma carreira destroçada, uma classe desiludida e desmotivada, bem como largas dezenas de milhares de alunos sem aulas. Para responder à crescente falta de professores tem para apresentar a possibilidade de se poder dar aulas sem habilitação para a docência. A batata quente passa para o senhor que se segue, resta-nos assistir ao patético desfile de promessas eleitorais daqueles que, no passado, sempre se juntaram para negar justiça aos docentes.
Para responder à crescente falta de professores tem para apresentar a possibilidade de se poder dar aulas sem habilitação para a docência
Foi promulgado neste final de novembro de 2023 o Decreto-Lei n.º 112/2023 de 29 de novembro, que altera o regime jurídico da habilitação para a docência no pré-escolar, básico e secundário, abrindo a possibilidade de se dar aulas sem profissionalização, ou seja, sem se ser professor. Este recurso a habilitações próprias, estagiários e a jovens sem licenciatura completa, para além de anacrónico, visa facilitar o acesso, mas, na realidade, corresponde a um retrocesso, que vai colocar em risco a qualidade do ensino, bem como abrir a porta para a desvalorização da profissão, criando uma escola pública de serviços mínimos, desigual e com futuro incerto.
Tem ainda o efeito pernicioso de criar nas escolas a figura do professor orientador mais experiente, que apenas visa sobrecarregar ainda mais os professores, já desgastados e com excesso de atividades burocráticas, sem contrapartidas monetárias. Cria-se um sistema de facilitação para dar aulas, assente em jovens descartáveis e na sobrecarga de trabalho dos professores, a custo zero.
Na mesma semana o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 22 de novembro, declarou ilegais os serviços mínimos impostos à greve às avaliações sumativas finais dos anos com provas finais ou exames do 9.º, 11.º e 12.º anos.
Esta decisão veio juntar-se a todas as outras, que também consideraram ilegais os serviços mínimos decretados em 2023, numa tentativa patética do Ministério para esvaziar a luta dos professores que se mobilizaram na rua e nas escolas a níveis extraordinários na defesa da Escola Pública. Apesar das ameaças de processos disciplinares e perseguições, no final prevaleceu a justiça e a legalidade, deixando a nu até que ponto vai um Governo para cercear a liberdade sindical e a legitimidade constitucional do protesto de uma classe.
Estas duas notícias de final de novembro, mostram bem a marca que deixa este Ministério na Educação em Portugal. Incapaz de resolver o problema mais que anunciado da falta de professores e falhando nas negociações com todos os sindicatos, despede-se com uma medida de remendos que baixa as habilitações para a docência e deixa uma imagem de quem recorreu a todo o tipo de expedientes para denegrir e insultar os professores, em vez de focar a sua energia num acordo que pudesse melhorar as condições nas escolas e preparar um futuro melhor na Educação.
Não se captam professores sem uma carreira justa e atrativa
Em outubro eram já mais de 1200 as pessoas a dar aulas sem habilitação, mas o número tende a aumentar à medida que o ano letivo avança com as substituições e as reformas, sem que haja professores habilitados disponíveis. Este ano de 2023 reformaram-se já 3.521 professores, um aumento de quase 50% em relação ao ano passado, prevendo-se que até 2030 se aposentem mais de metade, num universo total de 150 mil docentes.
O ano letivo começou com largas dezenas de milhar de alunos sem aulas devido à falta de professores e não devido a greves, como se tentou fazer crer ao longo de 2023.
O falhanço das negociações, não é uma fatalidade, representa sim a recusa em investir na escola pública e, com isso, criar as bases para um sistema dual, que alimenta o ensino privado.
Um professor leva em média 15 anos como contratado. Mais tarde, é bloqueado em dois, dos dez escalões, onde apenas 25% progride e os restantes esperam vários anos pela sua vez. Se a isto somarmos os mais de seis anos de congelamento, temos uma carreira que não avança, onde o salário está muito abaixo dos anos efetivamente trabalhados e consequentemente, uma reforma a meio da tabela, que nem paga a mensalidade de um lar.
Houve também um ataque mais vasto à classe, colocando em dúvida a sua idoneidade, difamando os seus profissionais, precarizando-os, desvalorizando a carreira, atacando-os na sua luta, atafulhando-os de trabalho inútil e penalizando-os, como no caso da mobilidade por doença, que deixou vulneráveis milhares de docentes com doenças graves ou pessoas a cargo.
Esta degradação das condições de trabalho não é compatível com a necessidade de atrair novos profissionais e qualificar o ensino. Sem uma carreira justa, não há novos professores e não se fixam os que estão, nem tão pouco se incentiva o regresso dos milhares que já abandoaram.
Gestão economicista dos recursos humanos, mascarada de inevitabilidade
Tenta-se fazer crer que a falta de professores é uma inevitabilidade em todos os países, mas não é o que se verifica quando olhamos o percurso de decisões desastrosas na gestão da educação em Portugal.
Desde há 15 anos difundiu-se a conveniente ideia, que haveria excesso de professores, centrando a gestão da educação em critérios economicistas. Aumentaram os alunos por turma, diminuíram os professores, degradou-se a carreira e os salários, dificultou-se o acesso aos quadros, incentivando a precariedade da chamada “casa às costas”.
Em 2022 existiam 33 mil professores precários, mais de 20% do total. Números completamente inaceitáveis num sistema público onde o próprio Estado promove a precariedade e os baixos salários. Cada professor ganhava em 2022, em média, menos 6%, que há quinze anos atrás e passou a ter uma carreira contributiva com mais 5 a 10 anos, devido ao aumento da idade de reforma, a par da injustiça do fator de sustentabilidade.
Tudo isto resultou num abandono precoce da profissão de pelo menos mais de 10 mil profissionais na última década, devido a desgaste, precariedade e desilusão. Profissionais que nunca mais regressaram a um sistema com crescente falta de professores, onde os alunos aumentaram e não foi acautelada a formação em número suficiente para as previsíveis saídas.
Para além do falhanço na gestão dos recursos no serviço público, este Ministro deixa a classe mais envelhecida da União Europeia completamente desmotivada, desiludida, com sinais claros de exaustão, sem perspetivas de carreira e com ordenados abaixo do que seria justo.
Eleitoralismo dos que nunca estiveram do lado da solução
Ficam adiadas as soluções para um próximo Governo, que vão muito além da devolução do tempo de serviço, agora acenado como promessa eleitoral daqueles que no passado nunca estiveram do lado da solução para os problemas difíceis que a Escola Pública enfrenta.
Um dos candidatos à liderança do PS e ex ministro Pedro Nuno Santos, acaba de admitir publicamente que afinal é a carreira dos professores que está em desvantagem em relação à restante função pública, onde já ocorreu recuperação do tempo congelado e não o contrário como foi amplamente propagado. Foi preciso haver eleições para se admitir publicamente o que sempre foi óbvio, deitando por terra a falácia de que dar justiça aos professores iria criar desigualdades nas restantes carreiras. Foi o vale tudo, mas os professores têm memória.
Não esquecemos que em 2011 Passos Coelho mandou os professores emigrar e disse, em 2013, que havia professores a mais, sendo secundado por Nuno Crato (2012) e Rui Rio em 2019. Também Tiago Brandão Rodrigues negou sempre a falta de docentes. Em maio de 2019, PSD e CDS, juntaram-se ao PS para chumbar a proposta de reposição total do tempo de serviço. Sem maioria do PS, o problema tinha ficado resolvido.
Também não esquecemos que em 4 de dezembro de 2020, foram discutidos na AR três projetos de Resolução de Bloco de Esquerda, PCP e PAN, de melhoria das condições da escola pública, por iniciativa da “FENPROF”, onde, para além da recuperação do tempo de serviço se propunha o combate à precariedade e criação de um regime de concursos justo; a eliminação da barreira no acesso aos 5.º e 7.º escalões; o rejuvenescimento da classe docente e um regime específico de aposentação; bem como o cumprimento das 35 horas semanais com a clarificação da componente letiva e não letiva. Todos os projetos foram chumbados por PS, PSD e CDS-PP e nessa altura também não havia maioria absoluta do PS. Por estes exemplos, sabemos quem sempre se juntou para negar justiça aos docentes.
Chegados aqui, com eleições marcadas, nada mudou na carreira dos professores, que mantém todos os estrangulamentos, ultrapassagens e injustiças, a par das más condições de trabalho e perda de rendimentos. Não se investiu na qualificação do ensino público, não se salvaguardaram as condições de trabalho, não se promoveu o respeito pelos docentes, nem o diálogo social, pedras basilares da qualificação do sistema.
Em Portugal ficou tudo por fazer, cabendo agora ao país decidir se mantemos uma gestão lesiva da escola pública, cada vez mais fragilizada e em risco de se tornar num serviço mínimo reprodutor de desigualdades e injustiça social.