Na reflexão sobre o Regime de Educação Inclusiva decretado há 5 anos, constatamos a necessidade de avaliar de forma independente as suas consequências na realidade diária das escolas e reformular muitos aspetos que dificultam a sua implementação e causam desigualdades. Emerge também o perigo de retrocesso, quando não se investe e se apregoa uma ideia fluida de inclusão, tornando alunos invisíveis com respostas genéricas, sem garantir a equidade que cada aluno exige, bem como uma correta afetação de recursos e respostas específicas.
Carência de recursos para a Inclusão de alunos invisíveis
Cinco anos após a implementação do Regime de Educação Inclusiva pelo Decreto Lei n.º 54, ficou patente que as escolas não foram dotadas dos recursos necessários para desenvolver políticas e práticas de equidade. Faltam recursos humanos para parcerias, apoio educativo, língua não materna, ou tutorias. Faltam professores especializados em educação especial, psicólogos e técnicos; ou ainda assistentes operacionais para acompanhamento dos alunos com deficiência ou perturbações graves, a necessitar de apoios diretos no âmbito da escola e da sua participação em atividades da escola e da turma.
Sabemos que o número de alunos aumenta, mas sem recursos não se consegue implementar uma política efetiva de apoio à diversidade, especialmente num ano em que se anunciam cortes no crédito horário. Se a tudo isto somarmos o aumento dos alunos por turma e a falta de professores, estamos em risco de ter decretado um regime de inclusão, numa escola de serviços mínimos, que exclui.
Por seu lado, os professores de educação especial viram a sua função diluída numa proposta de intervenção supostamente inclusiva, onde as suas competências centrais são de acompanhamento genérico indireto como especialistas de métodos e meios, junto da escola e dos colegas; mas deixa em aberto a sua principal função de interventores diretos nos processos de apoio, desenvolvimento e educação de alunos com necessidade de educação especial, nomeadamente os que apresentam necessidades específicas, decorrentes de deficiência ou perturbação grave e cujo sucesso depende de um conjunto de conhecimentos, estratégias e materiais, que fazem parte do corpo de conhecimento específico da disciplina de Educação Especial.
A ausência de equipas multidisciplinares criadas no seio do sistema educativo, dificulta uma resposta consistente e eficaz que possa ser sentida como uma alternativa à institucionalização, o que leva muitas famílias a contratualizar particularmente esses apoios, criando desigualdades sociais. O próprio Ministério da Educação externaliza a contratação desses técnicos, em vez de criar respostas integradas dentro do ensino público. Descorou-se o apoio às famílias de alunos com deficiência acentuada em coisas tão simples como ter Unidades Especializadas lotadas a funcionar a tempo parcial, ausência de transportes especiais, ou acautelar resposta comunitária nas paragens letivas, entre outras, que impossibilitam muitos pais de trabalhar.
Ao substituir uma lei que estabelecia um Regime de Educação Especial, o Dec. Lei n.º 3/2008, por outra que decreta um Regime Inclusivo, sem cuidar das funções e das necessidades de quem precisa de Educação Especial, não se estão a acautelar as especificidades concretas e realistas de uma população, mas sim a torná-la invisível. Veja-se a ausência de nomenclaturas e a forma genérica como os alunos são classificados, sabendo-se que não é possível mobilizar apoios e recursos adequados para determinadas populações. Deixamos de saber quais as necessidades dos alunos e que tipo de respostas específicas necessitam.
Este quadro de diluição e invisibilidade pode ter consequências graves na ausência de capacidade da escola em se tornar eficaz para todos, quer pela utilização de categorizações sem sentido, quer pela ausência de avaliação competente, quer ainda, pela forma genérica como depois as medidas e os recursos são atribuídos, o que resultará numa desadequação dos mesmos.
Seria uma grande desilusão constatarmos que, afinal, um suposto Regime Inclusivo, resultou na prática, como uma forma de poupar despesa na educação, diminuir recursos e retroceder na oferta pública inclusiva para todos, sem exceção.
Por tudo isto é fundamental definir o estatuto da Educação Especial e dos seus profissionais, nas vertentes de apoio à inclusão dos alunos com Necessidades Específicas; mas também como de apoio direto e acompanhamento dos que necessitam de Educação Especial.
Não podemos promover a Inclusão a custo zero, pelo que urge dotar as escolas com recursos humanos, nomeadamente docentes especializados, mas também assistentes operacionais, de acordo com as necessidades de cada escola, nomeadamente para os alunos com deficiência e perturbações acentuadas.
Por fim, é necessário contratar equipas multidisciplinares de técnicos e terapeutas em número suficiente, mas no âmbito dos Agrupamentos, permitindo a sua inserção nos objetivos e dinâmica de cada escola, integrando e investindo igualmente na Intervenção Precoce como parte integrante do sistema educativo.
Quanto aos investimentos globais necessários para promover a Inclusão nas Escolas, ficamos mais um ano adiados. O aumento de financiamento das equipas dos Centros de Recursos para a Inclusão e das instituições sociais e privadas, previsto no Orçamento de Estado para 2024, é uma atualização meramente compensatória de uma série de anos sem atualização de verbas e é dinheiro que vai direto para instituições e não para os Agrupamentos. Perpetua-se um modelo terapêutico das necessidades específicas, inclusivamente no seio das próprias escolas, em vez de promover o enriquecimento de equipas educativas autónomas nos contextos naturais de aprendizagem. Prega-se a inclusão, mas financia-se uma visão assistencial que exclui.
Já é tempo de avaliar e reformular o quadro legal existente
O Regime Jurídico da Educação Inclusiva pretendeu estabelecer um conjunto de alterações no sistema de ensino através do reforço e generalização de práticas e das conceções pedagógicas inclusivas, sem conseguir uma verdadeira visão integrada dos valores inclusivos nas diversas dimensões.
A inclusão não é um conjunto de medidas remediativas, nem algo artificial ou imposto e muito menos pode ser decretada como uma espécie de projeto ou plano para alguns alunos. A Educação Inclusiva é um dos princípios que devem estar na base de todas as leis, de todos os projetos, de todas as decisões e de todas as ações.
Não se promove uma Escola Inclusiva num documento legal que se destina a um “cluster” de alunos em dificuldade, desarticulado com os documentos estruturantes do sistema educativo e tentando apagar a Educação Especial e aqueles que dela precisam.
Essa proposta legislativa não partiu da necessidade das escolas, nem de uma avaliação da anterior, de forma a que pudesse refletir mudanças necessárias da realidade e ser apropriada pelo sistema como uma transição natural. Daqui resultou uma aplicação pouco inclusiva e artificial de cima para baixo, que origina enormes discrepâncias na interpretação e na sua aplicação pelo país.
A forma como alguns aspetos da legislação estão a ser interpretados, como as EMAEI ou os CAA, demonstra a artificialidade destas estruturas e a ausência de reais competências próprias, fomentando a retirada das mesmas de outras estruturas já existentes, entrando em conflito com estas.
A atual legislação inibe que se desenvolva uma gestão inclusiva nos cargos e estruturas naturais de decisão onde efetivamente as diferentes competências já são geridas, bem como a melhoria dessa dinâmica natural de gestão, que os diferentes patamares e órgão de gestão da escola já têm.
Querer decretar a inclusão sem dotar as escolas de recursos e sem olhar toda a escola e todos os professores como agentes de inclusão, é outro motivo de preocupação, que deveria motivar uma avaliação séria, já que não seria a primeira vez que se perdeu uma oportunidade de colocar a Educação Inclusiva na agenda educativa, condenando-a ao insucesso.
Por isso, é importante avaliar de forma independente a aplicação da lei, verificando o que não resultou, o que está a mais e que efeitos teve na melhoria da inclusão dos alunos, na diferenciação do ensino, no desenvolvimento de respostas para a diversidade e no sucesso. Tornar a legislação coerente e articulada, generalizando os princípios de uma educação inclusiva a todos os setores e documentos estruturantes do sistema educativo, nas suas diferentes dimensões de gestão, organização, formação de professores, legislação, autonomia, avaliação e prática e não apenas a uma lei setorial, que se confunde com um conjunto de medidas para determinados alunos.
Continua a haver muita necessidade de formação para os agentes educativos nesta área, generalizando os princípios da educação inclusiva, apresentando-os de forma acessível, facilitadora da sua implementação, para ter real impacto na prática letiva, no pressuposto que todos os docentes devem pautar-se pelo princípio da inclusão.
Por outro lado, não se implementa uma educação inclusiva sem dar autonomia financeira e decisória às escolas e seus professores, para serem eficazes e definirem os seus próprios projetos de inclusão, dotando-as de mecanismos de regulação e dos meios necessários para tal, contrariando uma normalização centralizadora, que apenas resulta em respostas formatadas.
Por fim, e não menos importante, não cabe apenas à escola este desígnio. É necessário articular estes princípios com as respostas pós escolaridade obrigatória, para que a vida de muitos jovens não acabe por ser ficar em casa, ou na lista de espera de um lar ou CAO. É importante envolver empresas, instituições e forças locais para que esta intenção não se fique apenas num setor, enquanto o país continua a gerir muito mal os processos de inclusão dos grupos em risco de exclusão e das camadas mais desfavorecidas.