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Da Rússia, com amor

Estes dias, andava eu a vasculhar a minha pasta de documentos de nome “Badaladas” no meu computador portátil, quando encontrei um artigo que submeti a este jornal no dia 2 de Dezembro de 20141 mas nunca publicado, de nome “Da Rússia, com amor”. Ao ler este artigo quase 8 anos depois fiquei admirada, não com a escrita um pouco ingénua, mas com a atualidade dos factos. Há 8 anos, questionava sobre as vantagens das exportações crescentes de produtos agrícolas, e sobre a volatilidade dos preços dos alimentos a que estamos sujeitos por importarmos produtos de países longínquos, incluindo aqueles que são geopoliticamente complicados, como a Rússia. Há 8 anos houve um aviso da parte de Vladimir Putin. Não nos preparamos. Como muitos outros problemas globais, preferimos como país, e como país-membro da União Europeia esperar para ver ao invés de sermos mais pro-ativos e de desenvolver políticas que apoiem cadeias curtas de consumo e produção e que assegurem a nossa segurança alimentar e energética. Reproduzo o texto que escrevi na íntegra, incluindo o título “Da Rússia, com amor” uma vez que considero que ainda há amor na Rússia e que ainda há gente corajosa na Rússia que se manifesta contra a invasão da Ucrânia2.

 

Texto escrito a 2 de Dezembro de 2014:

“Quando há umas semanas atrás anunciei lá para casa que ia a uma reunião do comité sobre florestas e indústria da madeira na Rússia, só ouvi do outro lado da linha o meu pai perguntar se eu nao tinha medo dos russos. Na altura havia uma intensa atividade da aviação russa no espaço aéreo europeu, incluindo a costa portuguesa na qual algumas ações de interseção foram realizadas pelos F-16 da Força Aérea Portuguesa. Mas nao era só no espaço aéreo que os russos andavam a chatear os portugueses, também chateavam e muito, os produtores agrícolas da região Oeste. Por causa das sanções aprovadas pela União Europeia a dirigentes russos e pró-russos pelo envolvimento da Rússia na guerra da Ucrânia, Vladimir Putin, o presidente russo, nao teve mais nada senão responder com um embargo à importação de produtos alimentares provenientes da União Europeia.  Os produtos abrangidos são os legumes, raízes e tubérculos alimentares, fruta e nozes. Dado isto, pode perceber-se imediatamente os impactos deste embargo nas contas dos produtores hortícolas e frutícolas do Oeste, os quais, de acordo com o jornal Público (23.11.2014), viram já o preço da pêra rocha cair mais de 40%. Durante a viagem de avião para Moscovo, li um artigo num jornal internacional que traçava um cenário de aumento dos preços dos alimentos nos supermercados russos, visto que o setor agrícola ainda pouco desenvolvido e parco de infraestruturas, nao conseguiria dar vazão às encomendas. Fui determinada a ver se isso se verificava.  Mas não é que os russos nos organizaram um encontro com produtores agrícolas que nos deram a provar o que de melhor produzem? Desde leite de cabra com sabores, a queijo, mel, doces, gelados...não parecia haver falta de alimentos.  E se houver, porque o Inverno na Rússia pode ser longo e os campos gelados, outros países nao Europeus aproveitarão para fazer chegar os seus produtos. Numa conversa com um dos produtores presentes, bastante jovem por sinal, descobri que estes nao têm tido mãos a medir face às encomendas, e concluí que a perda de uns é o ganho de outros. Cada vez mais me pergunto se não seria importante que as empresas exportadoras dos produtos embargados, depois de reunir esforços para escoar os produtos em excesso para outros mercados internacionais, começassem seriamente a desenvolver uma estratégia de longo prazo, que promova de forma eficaz estes produtos para consumo ao nível local. Tomando o exemplo da pêra rocha, não digo que não concorde com a exportação deste produto tão saboroso. Mas a mim parece-me que se necessita de se rever a presente obsessão nas exportações, para a promoção do consumo de produtos nacionais para evitar a volatilidade dos preços, submetidos a acontecimentos internacionais sobre os quais os produtores nao têm qualquer controlo. Parece uma utopia, mas eu acho que nao é. Ainda há pouco tempo tive o “prazer” de ser acordada todos os dias às 6 da manhã pelos vendedores de um mercado de frutas e legumes que montavam as suas bancas para o mercado local diário na praça principal de Friburgo, na Alemanha. E já há poucas dúvidas sobre o rol de vantagens, incluindo benefícios para a saúde, do consumo de legumes e frutas frescas produzidas localmente.” 

1 Sent Item Tue 02/12/2014 03:25

2 https://www.theguardian.com/world/2022/mar/14/russian-tv-employee-interrupts-news-broadcast-marina-ovsyannikova