Um conjunto de organizações locais e nacionais apresentou uma posição públicacontrária à realização de touradas em Torres Vedras, após o anúncio de um evento em praça desmontável no concelho em 22 julho de 2023.
Curiosamente, a Assembleia Municipal de Torres Vedras aprovou no final de junho o Regulamento Municipal para o Bem Estar Animal, sem que fosse feita referência às touradas, ou a qualquer posição de princípio em relação a isso. Teria sido uma oportunidade para clarificar a posição dos nossos eleitos, até para que os eleitores possam saber com o que contam em futuros executivos. Declarar Torres Vedras um concelho não amigo de touradas,teria sido uma posição de princípio importante.
Torres Vedras não é um concelho com tradição tauromáquica. Mais de 80%dos municípios portugueses não a têm, nem neles se realizam touradas. Entre a população portuguesa, menos de 3% de pessoas assistiu a touradas em 2019.
A última praça de touros fixa em Torres foi desmantelada em 1853 por falta de público. Desde 2008 que o número de espetáculos pontuais em praças desmontáveis tem decrescido drasticamente.
Um estudo da revista científica “Animals” de 2020, aponta para cerca de 67% dos portugueses serem contra as touradas e 85% admitirem que o touro sofre.
Numa altura em que tanto se fala e regulamentasobre bem-estaranimal, seria fundamental assumir se estamos dispostos a tolerar os maus tratos a animais numa atividade específica.
O bem-estar animal é a base do argumento anti touradas
A Proteção e bem-estar animal estão bem expressas na Lei n.º 92/95, de 12 de setembro, que no seu artigo 1 refere que “São proibidas todas as violências injustificadas contra animais, considerando-se como tais os atos consistentes em, sem necessidade, se infligir a morte, o sofrimento cruel e prolongado ou graves lesões a um animal”. Depois de descrever várias formas condenáveis de tratar os animais, este articulado legal abre uma exceção para as touradas.
Ora se estamos de acordo quanto a proteger os animais, como explicar que, em nome de uma tradiçãose abrauma exceção a esses valores, que deveriam ser universais, cedendo ao negócio das touradas?
O centro da argumentação contra as touradas é precisamente o sofrimento animal causado, pois estes valores deveriam sobrepor-sea qualquer outrode cariz cultural ou tradicional.
Como explicamos, às novas gerações, que os animais devem ser respeitados e que é impróprio para uma sociedade humana maltratar animais, especialmente para divertimentoe atétermos uma lei que os protege, mas comuma exceção?
As tradições não são para manter para além dos limites do razoável, como tantas outras que abolimos. As manifestações culturaistêmde estar de acordo com os valores civilizacionais de uma sociedade que dignifica a humanidade e não com ador e o sofrimento. A própria UNESCO recusou o estatuto de património cultural da humanidade às touradas, sendo também atualmente consagradoem Portugalque os jovens não sejam expostos a semelhante espetáculo, confirmando o caráter nefasto desta atividade.
Para além do espetáculo em si, osofrimento animal é extensível aos períodos antes e depois do mesmo, pois para se chegar até ali foram necessárias lidese treinos, com uso de muitos outros animais e no período após otouro fica em sofrimento à espera de uma morte digna, que muitas vezes não chega. Aliás, em Torres Vedras a tourada está marcada para as 22 horas de um sábado, portanto há dúvidas sobre se a morte num matadouro próximo está garantida em tempoútil.
Convém referir que o sofrimento animal é uma evidência científica, pois o medo a dor e o stress, são meios naturais de defesa do perigo, largamente estudados e comprovados. A forma redonda das praças garante ainexistência de pontos para o touro se poder esconder ou fugir.
É também a ciência que nos revela que os touros não nasceram para ser toureados, eles são selecionados e treinados comportamentalmente para serem lidados, tudo fruto da ação humana. As touradas não são necessárias para preservar qualquer espécie bovina.
Por tudo isto temos que centrar a posição acerca das touradas numa questão de consciência e de valores enquanto seres humanos, que cada um de nós se coloca:
- o bem-estar animal e o combate ao seu sofrimento é um valor civilizacional fundamental para mim, ou estou disposto a abdicar dele em determinadas situações de espetáculo e entretenimento?
Sendo assim, estou ou não disposto a fazer alguma coisa por isso?