Nos dias de hoje podemos encontrar plástico ou vestígios de plástico nos confins da terra, nas regiões mais longínquas do planeta, em locais onde nem sequer vivem pessoas. O lixo que não chega aos aterros, à incineração, ou à reciclagem, acaba muitas vezes nos rios e depois nos oceanos e no fundo marinho, sendo parte deste lixo transportado pelas correntes até às praias.
Uma das mais importantes fontes de plástico marinho é a pesca industrial e atividades relacionadas. Antes dos anos 60, as cordas utilizadas na indústria pesqueira eram feitas de fibras orgânicas, como por exemplo o sisal, que provém de uma planta tropical, o agave (Agave sisilana), e decompunham-se naturalmente. A partir dos anos 60, as cordas passaram a ser fabricadas em nylon, uma fibra sintética feita de polímeros derivados do petróleo. Estas cordas de plástico muitas vezes perdem-se no oceano, nunca se decompõem totalmente e são, em conjunto com o restante lixo marinho, um complexo problema com consequências económicas, ambientais, paisagísticas e para a saúde humana, de muito difícil resolução. Os impactos económicos acontecem porque se gasta dinheiro na limpeza de rios, praias e portos, e porque o plástico à deriva no mar causa danos aos motores e hélices dos navios, com custos monetários no setor do transporte marítimo, da pesca e do recreio (e.g. cruzeiros). Existem ainda perdas económicas no setor do turismo devido à degradação da paisagem e à má publicidade que isso traz para uma região. Em termos ambientais, o plástico, incluindo as cordas à deriva no mar, são responsáveis pela morte de milhões de animais marinhos e pela destruição de habitat. Em termos de saúde humana, ainda não se sabe quais são as consequências da existência e acumulação de micro e nano plásticos resultantes da decomposição do plástico marinho, no corpo humano. Sabe-se no entanto que toxinas como o DDT1, o BPA2 e outros pesticidas aderem às minúsculas partículas de plástico, sendo estas ingeridas acidentalmente pelos pequenos organismos marinhos, atravessando a cadeia alimentar através dos peixes, aves e chegando finalmente ao corpo humano, alojando-se nos órgãos. Este ano, investigadores dos Países Baixos publicaram um estudo que revelou pela primeira vez a presença de polímeros (microplásticos) no sangue de 22 dadores saudáveis, tendo estes também sido encontrados nas fezes de adultos e bebés3. Embora não hajam ainda estudos científicos que demonstrem os efeitos nocivos dos microplásticos na saúde humana, por analogia com os efeitos nocivos já provados da poluição atmosférica, nomeadamente aumento de mortalidade devido a doenças respiratórias causadas por partículas de monóxido de carbono, dióxido de azoto e dióxido de enxofre suspensas no ar, pode antecipar-se que estes terão igualmente um efeito negativo na saúde humana. Já
recolho lixo de plástico na praia de Cambelas há muitos anos por iniciativa própria, especialmente durante o Inverno, altura em que o mar agitado traz à costa muito lixo. No entanto, foi um despertar de consciência para mim o projeto “aCORDA Portugal” promovido pela Associação Oceanos Sem Plástico, sediada em Torres Vedras, com a qual colaboro esporadicamente em iniciativas de recolha de lixo nas praias do Oeste. O projeto reuniu cordas e cabos encontrados nas praias de todos os distritos costeiros do país e contou com o patrocínio da Presidência da República. Este projeto fez-me ver com os meus próprios olhos a imensa quantidade de cordas de pesca abandonadas na praia, e fez-me trazer para casa, durante cerca de um mês, muitos sacos de cordas que depois entreguei para a elaboração do novelo de cabos com 17 km e cerca de 1.3 toneladas exposto no Oceanário de Lisboa de Junho até Setembro de 20224. Deixo para reflexão as seguinte perguntas: 1) Como podem os pescadores que dependem da sustentabilidade dos oceanos para a sua atividade económica serem os que mais contribuem para a sua destruição? 2) Como podem os nossos políticos, que reclamam a importância da economia azul para o desenvolvimento sustentável do país, falhar redondamente na aplicação de leis e na implementação de ações de sensibilização que previnam o abandono das redes e outros materiais de pesca no mar? No caso das cordas encontradas em Cambelas, até me pareceu que alguns dos responsáveis por este lixo marinho são fáceis de identificar já que as bóias associadas às redes e cordas trazem ou as suas iniciais, ou as iniciais dos nomes dos pescadores, ou as das empresas de pesca donas dos barcos. Ficarei atenta às atividades desenvolvidas pelo Centro Interpretativo da Reserva Natural Local Foz Azul, na localidade da Assenta, para saber se esta problemática, que obviamente também diz respeito a Torres Vedras, com os seus 20km de orla costeira, faz parte da sua agenda ou se vai passar ao lado da direção e técnicos.
1 Sigla para diclorodifeniltricloroetano -Toxina ambiental
2 Sigla para Bisfenol A- Composto utilizado na produção de plásticos
3 https://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S0160412022001258
4 https://oceanosemplasticos.pt/noticias/62bc38f8636135066b0003d3