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A lenta agonia das Urgências Pediátricas de Torres Vedras

Depois de situações de rutura sem especialistas, as Urgências Pediátricas do Hospital de Torres Vedras, fecharam na noite de 8 de janeiro. Curiosamente nessa mesma tarde o Presidente da Câmara garantia aos torrienses em conferência de imprensa que as Urgências não fechariam. Questionada sobre a situação, a Ministra da Saúde disse à RTP que estava a estudar o assunto e que poderia não se justificar a existência de duas Urgências Pediátricas no CHO.
O presidente da autarquia socialista reuniu a 9 de janeiro com a ARS e o Secretário de Estado da Saúde, que terá garantido a manutenção das Urgências, havendo luz verde para a contratação de 4 pediatras no próximo concurso em abril. Para além disso, há uma abertura para serem criadas camas de internamento pediátrico, de forma a atrair os jovens médicos e qualificar o serviço.
Sobre as escalas atuais não houve qualquer reforço, a não ser o apelo feito aos atuais médicos para um sacrifício pessoal ainda maior, de aguentarem esta situação insustentável. Ou seja, temos uma promessa verbal e uma mão cheia de nada. Foi possível completar as escalas com o voluntarismo dos clínicos existentes, está à vista de todos que não há pediatras.

Não podemos ficar contentes com tão pouco

Se continuam os mesmos recursos, manteremos períodos sem pediatras e encerramentos temporários. Continua no ar a frase da Ministra, que Carlos Bernardes diz ter deixado de fazer sentido, mas terá mesmo? Torna-se óbvio que o Hospital de Torres não é atrativo para jovens pediatras que necessitam ter valências para o internato. Valências essas concentradas em Caldas, apesar da zona sul do CHO, ser muito mais populosa, muito mais jovem e com maior crescimento a todos os níveis. Se não há pediatras noutros Hospitais do país, muito mais atrativos, como pode o Hospital de Torres ser atrativo?
Para atrair pediatras e criar uma oferta de qualidade, é necessário um investimento de fundo no Hospital e isso não tem acontecido por responsabilidade do Ministério, que coloca em causa o SNS nesta região e a prestação de cuidados de saúde de qualidade com proximidade, especialmente aos mais desfavorecidos.
Estamos perante uma situação em que nada mudou no presente, com risco de tudo piorar no futuro. As populações da área de influência do Hospital de Torres têm de evitar uma grande desilusão e mobilizar-se mais que nunca, reivindicando respeito e serviços de saúde em condições. É preciso recordar as garantias já anteriormente dadas quando do fecho da maternidade e do internamento pediátrico. Já fomos enganados tantas vezes.

A responsabilidade é do Ministério da Saúde

É triste assistir a algo que já poderia ter sido resolvido com vontade política, mas as declarações imprudentes e incendiárias da Ministra, vieram trazer à tona o que verdadeiramente pode estar na ideia dos responsáveis pelo SNS. Ou seja, depois do fim da Obstetrícia em Torres Vedras, depois do fim do Internamento Pediátrico, sem consultas de especialidade, só resta mesmo acabar com a Urgência Pediátrica. O que mais pode estar a estudar a Ministra que não seja melhorar serviços? Os torrienses têm todo o direito de suspeitar que, por razões económicas e políticas, o encerramento das urgências é apenas a última etapa de um fim premeditado, através de um recuo progressivo e depois, como não há médicos, estuda-se o encerramento, como se fosse uma inocente inevitabilidade.

Os números gritam a injustiça das opções políticas

O Centro Hospitalar do Oeste, CHO, é composto por 3 Unidades Hospitalares: Torres Vedras, Caldas da Rainha e Peniche, com duas Urgências Pediátricas, uma em Caldas e outra e Torres, servindo 292.546 habitantes. As Urgências Pediátricas de Torres servem 172.742 habitantes de Torres Vedras, Cadaval, Lourinhã e grande parte do conselho de Mafra (11 freguesias), o que é muito mais de metade dos habitantes servidos pelo CHO e mais cerca de 52 mil, do que os 119.804 abrangidos pela Urgência Pediátrica de Caldas para Caldas da Rainha, Bombarral, Óbidos, Peniche e 3 freguesias de Alcobaça, 119.804 habitantes.
Quanto à população até aos 14 anos nas áreas das duas Urgências Pediátricas, vemos que Torres Vedras serve 32.126 crianças e Caldas apenas 17.839.
Acresce a enorme dispersão geográfica e acessos, com cerca de uma hora de deslocação por autoestrada de Torres a Caldas. Como pode uma criança em situação urgente ir de Mafra ou Torres para Caldas? Se já temos bebés a nascer em ambulâncias, imagine-se as consequências em termos de Urgência Pediátrica.
O número de urgências pediátricas no CHO está a aumentar anualmente, sendo de cerca de 48.000 ocorrências, das quais cerca de 22 mil são em Torres Vedras, estando por estudar o peso que a oferta privada está a ter nestes números, bem como o desequilíbrio gritante da oferta entre Torres e Caldas.
Como se explica chegarmos a esta situação de desequilíbrio e delapidação, com apenas 3 pediatras em Torres Vedras e 11 em Caldas. Como se pode explicar a transferência de serviços, a degradação e abandono a que o Hospital de Torres tem sido votado.

Qual a real força da autarquia torriense?

A expansão dos privados e o fecho da maternidade em Torres são consequência das políticas do governo PSD/CDS, mas hoje, somos levados a questionar se os poderes locais socialistas terão falta de força e empenho para resolver esta situação, pelo facto de partilharem relações políticas de proximidade com o Governo eleito. Será possível que o PS contrarie o PS e assim, sirva efetivamente a população que, localmente, o elegeu?
O silêncio do Presidente da Câmara sobre as declarações da Ministra foi ensurdecedor. Esperávamos que fosse firme na responsabilização do Governo, que fosse duro na exigência de garantias e que pedisse explicações sobre as afirmações da Ministra. Acima de tudo, queremos que não fique satisfeito com a esmola prometida, porque os problemas são muito mais profundos do que a falta de 4 pediatras. A não resolução cabal dos problemas estruturais, não só deixa sem resposta uma franja da população que, por razões económicas, não pode aceder aos privados; como também vai no sentido da continuação do detrimento dos serviços públicos a favor de privados, como têm vindo a ser prática desde o último Governo de direita.
As fragilidades do CHO e a situação de carência do Hospital de Torres são consequência da gestão do Ministério da Saúde, que a pode resolver com vontade política. Por cá, temos um autarca que corre o risco de ver transformada uma cumplicidade voluntariosa numa culpabilidade partilhada.