O dia em que Torres Vedras andou para trás no tempo
O dia 27 de abril de 2021 foi um dia triste para o concelho de Torres Vedras e ficará na memória e nos registos da história, como o dia em que a maioria das e dos autarcas da Assembleia Municipal do concelho, reprovaram uma recomendação do Bloco de Esquerda que visava declarar o concelho como zona livre do preconceito LGBTIQ+.
Movidos pela homofobia sistémica que ainda existe por este Portugal e que aqui ficou patente, sem sombra para qualquer dúvida, colocaram-se do lado do conservadorismo, do preconceito e de quem não aceita a diferença do ponto de vista da orientação sexual de cada individuo.
A recomendação em causa, com o título “Pela defesa dos direitos da comunidade LGBTIQ+ no concelho de Torres Vedras”, visava declarar o concelho como zona livre de preconceito e recomendava o hastear da bandeira arco-íris nos edifícios da Câmara Municipal e da Assembleia Municipal, bem como em todas as Juntas de Freguesia, todos os anos, no dia 17 de Maio.
O Dia Mundial de Luta Contra a Homofobia e Transfobia (IDAHOT - International Day Against Homophobia and Transphobia) comemora-se a 17 de maio, data em que, no ano de 1992, a Organização Mundial de Saúde (OMS) retirou a homossexualidade da lista de
doenças mentais.
Ainda, o Município de Torres Vedras assinou um protocolo para a igualdade e não discriminação, com a Comissão para a Cidadania e Igualdade de Gênero, em que um dos planos de ação se prende com o combate à discriminação com base na orientação sexual, identidade e expressão de gênero e características sexuais.
Segundo o último relatório de discriminação contra pessoas LGBTI+ da ILGA, a rua, foi o
contexto mais vezes referido como local da ocorrência da situação de discriminação ou ato
de violência.
O mesmo relatório conclui que, para além de mudanças legislativas, é essencial o “reforço
de medidas de educação, formação e sensibilização” para o qual as autarquias devem
contribuir ativamente, com medidas que retirem a comunidade LGBTI+ da invisibilidade.
Será que a autarquia assinou este protocolo, só porque lhe “fica bem”?
Na verdade, assim parece porque, quando chega a hora de passar à ação, esta recomendação que visava o assumir publicamente o que se assinou no dito protocolo foi alvo da cobardia generalizada da larga maioria da Assembleia, excetuando-se os votos a favor do deputado municipal do Bloco de Esquerda, de 1 Deputado Municipal do PCP e da 2ª secretária da Mesa da Assembleia Municipal.
Só vendo esta sessão da Assembleia Municipal (que, como todas, está disponível no site da mesma) se percebe a verdadeira dimensão do preconceito, da desinformação, da ignorância acerca desta faixa da população, a começar pelo Presidente do órgão que não sabe pronunciar a sigla LGBTIQ+, confundindo o “Q” de “Queer” com a tradução do inglês da palavra “veado”, tendo que, ao vivo e a cores, ser esclarecido pela 2ª secretária e acabando nos argumentos do Deputado do PS, Rui Prudêncio, que declarou o PS “contra” por se assumir contra as discriminações positivas, argumentando que a discriminação positiva também é uma forma de discriminar esta comunidade.
Fica a questão para o Deputado Rui Prudêncio e para as e os restantes que concordaram com as suas palavras, se as discriminações positivas instituídas e assumidas na Lei como instrumentos de nivelamento de igualdade, como dar prioridade nas filas a pessoas de idade avançada e com dificuldades motoras, como e existência de programas especiais de apoio, nas mais diversas áreas, a minorias frágeis como a imigração, os sem abrigo ou certas comunidades étnicas sem os mesmos recursos que a generalidade da população, ou se, por exemplo, os diversos critérios de vacinação contra o COVID-19 que priorizam alguns segmentos da população em detrimento de outros, também são vistas como forma de discriminação e as e os retira do plano da igualdade.
Torres Vedras, pela mão da maioria da Assembleia Municipal, viu-se assim, afastada de concelhos como Lisboa, Loures, Vila do Porto (Açores), Almada…
Um dia triste, onde foi igualmente reprovado um voto de repúdio, com 25 votos contra, 9 abstenções e 4 a favor, contra as decisões de algumas cidades da Polónia e da Hungria de se declararem zonas livres de população LGBTIQ+, assumindo que a única comunidade bem-vinda, é a heterossexual.
Nesta batalha pela igualdade, não existem meios termos. Ou se assume que todas e todos as e os cidadãos são iguais perante a Lei e têm os mesmos direitos e são aceites independentemente da sua orientação sexual, ou se assume que não.
Na igualdade, não há espaço para exceções.
Afinal, e bem, a discriminação positiva é largamente assumida pela sociedade e pela Lei, como forma de aproximar do plano da igualdade, faixas da população que, por determinadas características, se veem privadas dos mesmos direitos do comum das cidadãs ou dos cidadãos.
Mas, para a maioria da Assembleia Municipal de Torres Vedras, a discriminação positiva é apenas discriminação. No dia 27 confirmou-se esta realidade como presente e assumida.
Atrás deste preconceito, vêm outros, para com outras diferenças onde se vão implementando medidas tímidas, supostamente favoráveis no apoio a algumas minorias, para ficar bem na fotografia, mas vazias, quer nos conteúdos concretos, quer na implementação.
Para a maioria da Assembleia Municipal, o aceitável, confortável e largamente assumido é apenas a família tradicional, preferencialmente composta por gente capaz de ter filhos, branca, que fale português fluentemente e sem sotaques.
Vêm aí eleições e isto vai ter que mudar, em nome de um concelho efetivamente inclusivo, com espaço para todas e todos, com respeito pelas orientações e opções individuais a bem de um coletivo social que viva com plena dignidade no mútuo respeito pelas diferenças individuais, culturais e todas as demais que não interferem com a liberdade do próximo.