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Uma sala com vista...para o caixote do lixo

Total de resíduos sólidos urbanos recolhidos e para reciclagem (Fonte: smastv.pt)

Se até certa altura me incomodava ter dois caixotes do lixo mesmo à frente da minha porta, agora acho interessante uma vez que como investigadora, também nesta área, posso estudar os comportamentos da população em relação à sua gestão individual dos resíduos. Na aldeia existem vários pontos de deposição de lixo. Nalguns casos, os caixotes de lixo indiferenciado partilham o mesmo espaço com os ecopontos enquanto noutros casos distam em cerca de 100-200 metros, como no caso do ponto de recolha à frente da minha porta. As minha observações revelam que grande parte dos vizinhos colocam todo o tipo de material, incluindo garrafas de plástico e de vidro, e caixotes de papelão entre outros, nos contentores de lixo indiferenciado o que significa que muito do lixo reciclável que é gerado nas minhas imediações não é enviado para reciclagem mas sim para um aterro sanitário a cerca de 25km de distância, ou seja, "longe do nosso quintal" (not in my backyard - NIMB), causando externalidades negativas (por exemplo mau cheiro, paisagem degradada, ruído de camiões de transporte etc.) a outros Torreenses que não os da minha aldeia.

Apesar de ser melhor solução do que uma lixeira a céu aberto, um aterro sanitário implica uma severa intervenção na paisagem para a sua implementação, é apenas uma solução a curto prazo já que o seu tempo de vida não vai além dos 25 anos, e contribui para a emissão de gases de efeito estufa, principalmente o metano, e consequentemente para as alterações climáticas, estas por sua vez com impactos negativos na economia e na saúde.

Quanto mais lixo indiferenciado for produzido maior são os aspetos negativos de uma aterro sanitário, inclusive o de deixarmos para os nossos filhos a resolução de um problema que não causaram, daqui a 25 anos. É pois crucial aumentar a quantidade de lixo reciclado. Recorde-se que as metas de reciclagem estabelecidas para 2020 são de 50% do lixo produzido reciclado. Mas em Portugal apenas 29% do lixo produzido é reciclado (e na minha aldeia os valores andam certamente muito abaixo disso). Já coloquei a hipótese de que situar os ecopontos lado a lado com os caixotes de lixo indiferenciado aumentaria as taxas de reciclagem por ser ligeiramente mais conveniente para a população. No entanto esta hipótese foi rapidamente refutada quando num outro ponto de recolha da aldeia em que caixotes de lixo e ecopontos estão lado a lado vejo colocar frequentemente enormes quantidades de caixotes de papelão (e sem espalmar) no caixote de lixo indiferenciado. Para aumentar a taxa de reciclagem poder-se-ia entregar gratuitamente a todas as casas e pequenos negócios do concelho os recipientes para resíduos recicláveis e orgânicos (por exemplo restos de comida), e recolher estes cada 1 ou 2 semanas, como acontece em muitos concelhos do Reino Unido. No caso de se verificar fraca adesão das famílias, seriam oferecidos incentivos (por exemplo vouchers/vales para o Teatro-Cine, bilhetes de autocarro, entradas gratuitas nas piscinas municipais, vales para compra de bicicletas etc.). Se ainda assim a adesão continuasse a ser fraca, seriam então aplicadas multas. Para garantir boa adesão e aceitação das medidas, seria essencial promover ações de sensibilização das famílias e pequenos negócios antes de multar. Esta sensibilização devia também incluir a consciencialização sobre as regras básicas para o lixo indiferenciado, como o de colocar o lixo em sacos fechados, o de depositar os "monstros domésticos" (sofás, eletrodomésticos, resíduos de obras etc.) no Ecocentro localizado no Paúl, Torres Vedras, ou então informar de que a Câmara Municipal presta este serviço. Segundo as minhas observações ainda existe, felizmente, quem aproveite objetos usados e colocados no lixo. No entanto são muitos mais aqueles que se desfazem de objetos que ainda tem usabilidade.

Com o consumismo implantado na nossa sociedade, em que se compram produtos sem pensar nas externalidades negativas que estes causam ao ser produzidos e transportados (esgotamento de recursos naturais, poluição do ar, solo, água do mar e rios, emissão de gases de efeito estufa, desflorestação, trabalho escravo, trabalho precário etc), a quantidade de resíduos está sempre a aumentar. No concelho de Torres Vedras essa subida contínua nota-se (ver Figura 1) e em 2019 apenas 12% do lixo produzido foi encaminhado para reciclagem. Como muitos países estão a colocar cada vez mais restrições à importação de lixo de terceiros, a necessidade de se ter de gerir o lixo dentro das nossas fronteiras aumenta. Se não mudamos os nossos comportamentos, voluntariamente ou obrigados, em breve estaremos atulhados até ao pescoço.